Tem sido tudo muito duro, difícil de agir, reagir, lutar. Em 2013, quando o movimento legítimo Passe Livre foi às ruas pelos 20 centavos, o protesto foi utilizado como massa de manobra e acabou se tornando uma micareta de milhões que achavam que estavam a promover qualquer mudança no país e acabaram pedindo um impeachment claramente arquitetado como golpe. Eu falo claramente porque tem provas, há conversas gravadas… Tudo! Tudo e mais um pouco. E o Temer continua lá.
Ontem, antes da morte da Marielle, eu li a entrevista que o Nem da Rocinha deu para o El Pais e eu quis chorar. O rei do tráfico manja mais de história e política que todos nós juntos. Óbvio! Ele liderava o tráfico e não tem movimento mais político que esse. Uma leitura longa que vale muito a pena, clique aqui.
Leituras longas têm nos faltado. Eu não estou falando de textão de Facebook. E também não estou falando só de jornal. Estou falando de perceber as nuances – como a mesma notícia é abordada em cada veículo, como o Lula é colocado sempre em voz ativa nas denúncias do triplex, enquanto o Aécio é voz passiva no helicóptero de cocaína. É juiz fazendo greve para manter o auxílio-moradia e pobre conservador gritando contra o Bolsa-Família. Percebe como está tudo invertido?
Mas, sabe por que faltam leituras longas? Porque somos um país onde ser alfabetizado é saber escrever o próprio nome. A maioria das pessoas não consegue interpretar um parágrafo de Robinson Crusoe. O próprio Nem da Rocinha sabe a importância de educar sem armas. A Marielle também sabia e lutava por isso. Lutava por coisas até mais simples e básicas quando você fala de direitos do ser humano e que simplesmente não são levadas a sério.
Ela não ia apenas para a rua. Ela era uma mulher negra metendo as caras e dizendo que aquilo estava errado. Ela virou vereadora. Ela denunciava as mortes causadas pela polícia militar. Ela conseguiu se tornar relatora da comissão que acompanharia a intervenção. Ela morreu a tiros. Sou de Santo André e gosto de frisar sempre que o Celso Daniel foi o prefeito que melhorou a cidade. Ele foi sequestrado em São Paulo, encontrado morto com 11 tiros e jogado numa estrada qualquer.
Vocês viram a esposa do vice-presidente de jornalismo da Record, que só era encontrada no Instagram? Destaquei o fato de ela ser casada com o cara porque ele lidera justamente uma mídia importante que deveria ser uma das nossas portas de acesso às verdades do país. Bem, Raissa Caroline Lima Tavolaro passou todo o tempo do que deveria ser o expediente dela na Assembleia Legislativa gastando o salário pago com dinheiro público em viagens pelo mundo todo e tirando foto com crianças pobres na África, sensibilizada. Moça, sobe o morro por aqui também.
Aliás, subamos todos o morro. Sejamos mais Marielles, que cobram no lugar certo e do jeito certo o que precisa ser feito. Por menos saídas do vão do MASP e mais invasões da Câmara. Se vamos ter que sair sangrando de lá para sermos ouvidos, que sejamos. A gente já está dando o sangue todos os dias por um país que invalida nosso voto e nos mantém escravos de um sistema trabalhista que nos faz sonhar com a mudança de classe, mas que – nem no mais perfeito dos mundos – vai nos permitir subir escala na pirâmide. Se você subir, quem vai ser a base que sustenta o topo?
Nosso país está sendo tomado por golpe, militares e homicídio descarado. E a gente não está fazendo nada. A gente está brigando um com o outro, tentando dizer que minha luta importa mais que a sua. Mas não importa. Elas são o “pão e circo” que o topo da pirâmide precisa para continuar onde está. Estão nos distraindo e não estamos percebendo. Não basta ir pra rua, postar no Instagram e sair na foto do jornal. É preciso quebrar – os conceitos, os preconceitos, os bancos, a cara, o sistema. Quanto você paga para sobreviver no medo? Quanto você paga para morrer a cada dia por ser quem é? Qual o preço? Você tem esse dinheiro? Eu não.