Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, mas se considerava brasileira de Pernambuco. Com um sotaque que misturava as duas nacionalidades, ela escrevia em um português impecável, cheio de significados e significantes. Não existe um estilo onde ela se encaixa. Ela era seu próprio estilo e se sentia viva quando fazia viver algum personagem. Lembro do susto que foi descobrir o destino de Macabéa, em uma peça de teatro, quando se revelava para mim a genialidade de “A Hora da Estrela”. Eu ainda era nova demais para entender a profundidade daquilo tudo, mas nova o suficiente para receber a mensagem de uma maneira tão pura que nunca mais eu pude “desver” aquela história.
E Macabéa segue ressoando em minha mente, cada vez mais viva, cada vez mais real. Cada vez mais triste e feliz na dicotomia do “ter esperança”.
Alegria foi receber um presente do universo. A possibilidade de contar tantas histórias daquelas inventadas (ou só descritas em codinomes) por Clarice. A Associação Brasil Auê, da qual faço parte com amor e todas as dificuldades do “ter tempo para”, firmou parceria com a Club Editor, aqui de Barcelona, para trabalhar o espetáculo de divulgação dos livros de Clarice pela Catalunha. Logo na estreia, com casa cheia, tivemos a honra de ganhar até elogios no jornal La Vanguardia. Você pode ler clicando aqui.
O segundo espetáculo, mais introspectivo – mais Clarice – e já mais dono de si mesmo, foi tocante. Profundo em suas leituras – traduzidas ou não. Intenso na atuação de Luh Quintans, Jeca Mó e Kaká Degáspari. Doce e amargo nas músicas executadas por César, Pedro, Alan e Henrique. Mais Clarice que nunca na voz de Jeca, que tomou licença para mostrar também sua música autoral, inspirada na autora. “Deus não é pai. Deus sou eu, Deusa ele, Deus é ela”. Lembrando da nossa divindade enquanto humanos, Jeca rasgou seu coração.
E o nosso.
E quando foi o momento de “botar o bloco na rua”, a plateia levantou para fazer isso da maneira que a gente melhor sabe: com alegria, com amor, com resistência. Ser imigrante é resistir a todo tipo de situação – burocracias, (im)possibilidades, aceitação social, preconceitos, etc etc etc. Quando estamos juntos, não precisamos falar sobre isso. A cumplicidade de viver as mesmas coisas nos coloca no mesmo bloco. E a gente bota nosso bloco na rua.
Vai ter mais show. Além de Jeca, terão outras vozes enviando a mensagem. Os repertórios vão mudando de acordo com o evento, para quem quiser repetir o espetáculo não ficar “aburrido”.
Obrigada, Auê. Obrigada Clarice, por conectar e reconectar nossos corações de maneira tão singular, intensa e honesta.
Você sabia que “Frankenstein” é uma alusão ao feminismo e ao vegetarianismo? A história já começa porque a autora da obra, Mary Shelley, é filha da feminista famosa pelo livro “Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher” (1792), Mary Wollstonecraft – trazendo na veia a temática feminista de maneira intensa. No livro do monstro criado pelo médico, ela mostra o corpo feminino obedecendo a uma sociedade patriarcal desde as maneiras mais literais de relação entre homem e mulher até metáforas como o retalhamento da Criatura. Criatura esta que, pasmem, não come carne. O “monstro”, afinal, é a criatura ou o criador?
Os mesmos traços que dividem a vaca em partes que recebem nomes como picanha ou filet mignon para se tornarem comestíveis – ao invés de serem tidas exatamente como aquilo que são: um cadáver – estão nas costuras do dito “monstro”, que só deseja ir para América do Sul com uma companheira, viver daquilo que a natureza oferece.
Essa relação tão rica e tão cheia de nuances que não cabem em um post, muito menos em dois parágrafos, implodiu minha cabeça. Já havia implodido quando li as biografias dessas mulheres. Mas a coisa ficou ainda mais intensa quando entrei no universo denso de “A Política Sexual da Carne”, escrito por Carol J. Adams.
O que é a Política Sexual da Carne?
Eu tinha mais ou menos 9 anos. Era domingo e seguíamos para mais um dos almoços semanais de família na casa de meus avós. Como de costume, meu avô trazia o frango vivo da granja, que seria morto e depenado. Cabeça arrancada, iria para a panela com uma gotinha de sangue no molho, para dar mais sabor. Minha prima e eu chegamos mais cedo e “fizemos amizade” com o frango, chamando de Kate. Tentamos convencer minha avó de criar a Kate, que estava enrolada a um jornal amarrado com corda, porém viva até então. Mas era o almoço da família e não houve outro destino para a pobre Kate: um puxão no pescoço o destroncou. Porém, ela era resistente e acabou machucando mais que o normal. Ficou pendurada um tempo, sangrando. Retirou-se as penas, limpou-se por dentro. Já na panela e com temperos, Kate passou a ser “franguinho cozido de domingo”. Mas não para mim. Ali, ela continuava sendo apenas a Kate. E meu almoço foi só macarrão.
Mulher é alimento para o desejo masculino. Mulher é quem alimenta, quem cozinha e nutre. Mulher é um objeto que serve. Animal é um corte servido no prato. Vaca, galinha, porco… Todos eles deixam de existir depois de um belo cozimento. Animal é objeto que alimenta. Mulher e animal são alimentos criados para servir: escolha seu tempero. Mulher e animal são a referência dessas ações, mas são ausentes enquanto criaturas com vida e vontades. Mulher e animal são um referente ausente – no prato, na cama, na política, no entorno social.
Quando a gente transforma o nome do animal em algo mais tragável, é quando o transformamos em referente ausente. É quando o ser vivente para de existir para dar lugar a servir. Quando você troca o nome de uma mulher violentada por “a vítima”, você tira o ser vivente dali e traz à tona um estereótipo mais aceitável nos jornais. Enquanto vítimas estereotipadas e determinadas, lamentamos e seguimos em frente.
A inércia, o seguir em frente “apesar de” e “mesmo que” acaba militando contra uma real mudança. Existem, por exemplo, lendas urbanas sobre as mulheres. Uma delas é que elas são biologicamente seres mais coletivos. Agora, pare e pense: como não apoiar umas às outras quando isso acaba se tornando uma medida de proteção e sobrevivência? Não somos mais coletivas que os homens, apenas precisamos mais desse sistema.
Um matadouro silencioso
Você conseguiria seguir enchendo seu prato com bife após observar o retalhamento animal direto de um matadouro? “A cultura patriarcal cerca de silêncio o retalhamento real”. Como isso é feito? É sutil. Pelas palavras. A escolha certa de palavras faz com que mulheres e vegetais sejam frágeis, vulneráveis e determinados a papéis específicos. O corpo? Torna-se um belo pedaço de picanha a ser consumido em um outdoor, em um filme, em uma foto, na rua – sem consentimento. Animal e mulher parecem não precisar dar autorização para serem retalhados dentro de uma sociedade que acredita estar no topo da cadeia alimentar – o que, de fato, não condiz com a realidade.
Quais tiranias engolimos diariamente, bem temperadas em nosso prato? É preciso ter força e poder para mudar as coisas. Mas, quando o senso comum aceita exceções, abre-se uma porta para muitas revisões sobre o que se pode ou não fazer. A conversa gira em círculos e se torna só mais um tema para a mesa do café. Não incomoda, não gera mudança. A pessoa que se posiciona vegetariana é questionada por comer bem. A mulher que se impõe é questionada por opinar. Voltamos aos estereótipos criados e aceitos pelo senso comum como verdadeiros. O que há em comum nos dois casos? Animal e mulher atuam como objeto para que os outros – aqueles que questionam qualquer movimento de resistência de ambos – possam se tornar o sujeito da história.
Mas, afinal, por que a gente precisa se justificar tanto para não querer matar um animal? Porque a gente precisa se justificar tanto para ter igualdade de gênero? Qual pergunta realmente deveria estar sendo feita em ambos os casos?
E, por fim, por que ter emoções envolvidas em suas lutas deveria tirar a legitimidade das mesmas? Afinal, prezar pelo bem comum e pela vida é algo ruim? Mas os mesmos que preferem ver uma mãe morrer na periferia a ter que legalizar a retirada de um feto ainda em formação são os que comem a carne sangrando tirada da churrasqueira sem questionar a relação entre ambos.
Um último tópico, mas não menos importante – nem de longe. Você já ouviu falar doassassino de gatos queviralizou na internet e acabou matando uma pessoa? Uma sociedade que relaciona sua força, virilidade e poder ao consumo de carne e, consequentemente, à morte do animal, é a mesma sociedade que baseia sua economia na escravidão e opressão. “A carne mais barata do mercado é a carne negra”. E muito cuidado com o que se ouve falar por aí. “Quem controla as histórias, controla a memória e o futuro.”
O livro ainda traz dados bastante interessantes que mostram que há aumento no consumo de carne quando está em voga uma política opressora no poder. Além disso, mostra que é possível alimentar praticamente o triplo de pessoas (com uma diferença de muitos milhões) quando se institui uma dieta vegetariana à população.
Escrevo poesias desde meus 10 anos. Era uma criança bastante tímida e escrever sempre foi uma maneira onde eu conseguia me expressar o mais próximo possível do que eu estava sentindo. De lá para cá, a produção de rimas sempre foi bastante frenética e, nesse vai e vem das palavras, o meu parceiro transformou um dos meus poemas em música. Lucas Adon compôs e gravou “Só Carolina Não Viu”, com referências a Chico Buarque, Tom Jobim, Cícero, Alberto Caeiro… (sim, eu amo Easter Eggs).
Você pode ouvir nas plataformas de streaming, como Spotify, e pode assistir ao vídeo que montamos dela, com as imagens do nosso casamento.
Ouça Lucas Adon no Spotify!
Casamos, mudamos de país e começamos uma vida renovada. Porém, a produção musical nunca parou aqui em casa e, durante a pandemia, vivíamos também o puerpério de “Madalena”. Obviamente, a fase se transformou em outra parceria e surgiu o single Madalena, com participação das lindas Jeca Mó (voz) e Bruna Caram (acordeon). Na dificuldade de criar um clipe no estilo Mad Max – por motivos de confinamento – fizemos outra produção misturando produções caseiras. O resultado também está em todas as plataformas possíveis:
Agora, estamos organizando o disco novo, que vai trazer outras composições onde participo também. O coração está feliz da vida. No fim das contas, tudo que desejo é conseguir atingir as emoções de quem ouvir de alguma maneira, fazendo com que a arte cumpra seu papel.
Desculpem o monotema, mas 2020 tem sido pandemia e bebê. E lives, muitas lives.
Vocês não têm ideia. Estamos tentando. Lucas e eu fazemos nosso melhor para criar uma cidadã consciente, feliz e que viva bem na comunidade. E, cada vez mais, aquela história de que crianças devem ser criadas por uma aldeia inteira faz mais e mais sentido. Por que substituíram uma cultura tão sábia como a indígena por esse capitalismo egoísta e patriarcal branco? Existe alguma maneira de adaptar este cenário?
Meu corpo dói. Minhas articulações parecem de uma senhora já bem velhinha. Tenho uma fila de textos não escritos me esperando para serem publicados em diferentes veículos. Tenho uma lista de coisas a fazer que vão sendo empurradas para o dia seguinte. Tenho nove dias para terminar um mestrado. Mas, nas últimas noites, eram 5h e eu estava dizendo pra minha filha que ela precisava dormir. Ela está agitada e faz um esforço danado pra dormir, mesmo sendo tão bebê. Mas ela não estava conseguindo. Eu tentei, Lucas tentou, ela tentou sozinha. A coisa só desenrolou quando regredimos ao primeiro mês e ela dormiu em cima do meu peito. O resultado é que tenho dormido semi-sentada por horas nas últimas noites – ou de ladinho, com uma teta de fora, onde ela fica vindo e voltando até descansar. O mundo deve estar muito estimulante para ela e isso pode estar refletindo nas noites. Além dos dentes. Eu entendo, acolho, dou o meu melhor.
Tem sido assim. Madalena é um bebê do confinamento. Nasceu, fez uma sessão de Reiki comigo, passeou por pontos turísticos e, alguns dias depois, declarou-se pandemia. Nos fechamos em casa – ela, Lucas, minha mãe e eu. Em 14 de março, o presidente Pedro Sánchez disse que era lock down. Coisa levada realmente a sério aqui: ninguém sai sem uma justificativa oficial – a fiscalização pega e multa. Foram dois meses de Madalena e eu sem cruzar a porta da frente. Lucas e minha mãe se revezavam para descer o lixo e fazer mercado. Depois, só Lucas. Eis que desci pra levar a criança pra tomar vacina, duas quadras de casa. Foi desesperador! Eu não sabia pra que lado ir, meu coração acelerava e eu achava que estava machucando a nena no sling (ela claramente não se importava e dormia angelicalmente). Voltei pra casa. Outro mês inteiro sem cruzar a porta da frente.
O desconfinamento começou e fui me adaptando aos poucos. Ainda muito perdida e com um medo danado de sair na rua. Até hoje, tenho uma certa fobia de por o pé pra fora, mesmo dentro das restrições – é sempre muito cansativo e angustiante nos primeiros minutos. Isso deve refletir de alguma maneira no bebê. Ela é mais grudadinha e eu procuro entender a demanda dela de um lugar amoroso. Então, fazemos todo esse esforço, sem medo. Mas com muito cansaço.
A verdade é que tem dado resultado. É uma criança feliz – claramente! Inclusive, é algo que as pessoas comentam quando a conhecem. Ela é saudável também e tem desenvolvido suas percepções cognitivas de uma maneira muito rápida e orgânica. Nunca ensinei diretamente, mas ela aprendeu a oferecer comida quando está se alimentando, a bater palmas e a dançar. Você coloca uma musiquinha simples e lá está ela balançando o bumbum e chacoalhando as perninhas. Ela também faz um movimento com a mão que imita o pai tocando violão. Tem muita fofura no olhar, sorri pra tudo, se joga pra todos. Ela me abraça. Vejo claramente os resultados. Mas isso não diminui o cansaço.
Foi um ano muito intenso e a gente não sabe pra onde ele vai. Mas a gente sabe que, dentro de um contexto onde acabou ficando cada um por si em seu próprio ninho, a gente tem se desdobrado para fazer o melhor. Eu só vou saber se foi o melhor quando ela for adolescente e começar a jogar coisas aleatórias na minha cara. Mas, por enquanto, parece que está tudo bem.
Eu sempre desejei um ano sabático – ou semi sabático, já que seguimos trabalhando – mas nunca pensei que silenciar e ir ao encontro de si mesma fosse a coisa tão absurdamente devastadora e encantadora que tem sido. Um paradoxo do tempo, do espaço e da existência. Das lições que ficam de 2020, tiro as mesmas da maternidade: não controlamos nada – ou nada além daquilo que fazemos com a falta de controle. Seguimos! Espero que vacinados e prontos para reconstruir o planeta que a gente vem destruindo desde o início de muitos tempos.
Desde que eu escolhi ser mãe – porque, insisto, não cabe ao Estado definir se tenho ou não um filho – tomei com Lucas decisões sobre um maternar humanizado, com apego e sustentável. Não temos seguido regras ao pé da letra, mas fizemos um combo do que nos parece bom e damos nosso melhor. Mesmo. De coração aberto. Estamos os dois acabados, sem dormir direito. Porque optar por um cuidar focado no desenvolvimento do serzinho e não no controle total dele dá trabalho!
Aqui em casa, não tem essa de deixar chorar. Também não entram os clássicos: está fazendo seu peito de chupeta; se ficar no colo, fica mal acostumada; isso é manha. Se chora, é porque está se comunicando e nosso desafio é entender a comunicação. Não raras vezes ela ouve frases como: você tem todo direito de se expressar, mas isso não muda a situação neste momento. Não foi com gritos que ela parou de morder meu peito com os dentinhos novos, foi ouvindo: não faça isso, machuca a mamãe. E ela não faz mais. Dá mais trabalho, frustra, irrita. Mas o ser que ela está se tornando nos enche de emoção.
A gente lava fralda. A gente tem que limpar tudo depois da refeição, porque ela come sozinha e em pedaços. A sala é uma bagunça, porque ela rola no chão. Lavo muita roupa, porque são poucas. Não compramos – elas são vindas de outras crianças ou presentes do Brasil. Tem livro com página comida, porque lemos pra ela. Ela come o braço do violão também – acho que quer sentir a música rs. A gente faz tudo isso enquanto trabalha, no trampo fixo e nos projetos paralelos. A gente cozinha, limpa a casa, vive com ela pendurada e coloca as séries em dia. Temos rede de apoio, online e física, que nos ampara principalmente quando a situação aperta. E tem mais, muito mais.
Não sou a única nessa missão. Além de ser privilegiada de diversas maneiras, incluindo ser branca, ter um parceiro de verdade e morar num país com o mínimo de estrutura. Mas somos muitas numa rede secreta de mães que se articulam num universo paralelo ao sistema capitalista patriarcal – e como sentimos falta de um movimento de pais que faça o mesmo! Lucas fica frustrado de não haver a mesma união entre eles. E eu entendo. Os grupos de mães me salvam todos os dias. A Lua Fernandes é uma delas e vamos contar muitos desses processos numa live cheia de amor que rola dia 22 de outubro, no Instagram dela compartilhado com o meu. Vem somar. Vem contar o que você sente. Não existe lugar pra julgamento no maternar. Só vem.
De repente, Madalena saiu. E eu ainda não acreditava que era real. Eu olhava para ela e só sabia que não queria nunca mais me separar. Eu era ela. Ela era eu. Nada mais importava. Ninguém mais importava. Qualquer assunto que não fosse ela simplesmente se tornava banal pra mim. Eu nunca tive tanta vontade de mudar o mundo – por ela, para ela. Toma tudo que eu posso te dar, filha. E eu dei.
Eu estava de 36 semanas quando soube que meu sangue não filtrava as toxinas e mandava tudo direto pra ela. Senti culpa. A médica percebeu. “Não vai precisar fazer uma cesariana. E não é culpa sua.” Tive colestase gestacional. Tomei remédio por uma semana e não adiantou – ao invés disso, dobrou o nível. Indução marcada para 22 de fevereiro, sábado de carnaval.
Introduziram em mim um balão que iniciava a dilatação, mas meu corpo entendeu errado e começou a realizar contração para “parir” o balão. Então, me desceram para sala de parto, onde diminuíram o diâmetro dele e fiquei ali, esperando. Quando tirei, fui dançar, fazer agachamento, pular… Tudo por uma bolsa estourada. Mas Madá estava curtindo o bloquinho da barriga e não estourou. Me colocaram uma agulha com um ganchinho na ponta e um “tec” fez o serviço.
Ouve música, pula na bola, faz piada, toma ducha, medita. E elas vieram. As contrações do parto finalmente vieram, seguidas do aumento natural da dilatação. E começaram a ficar intensas. Como sempre faço, fingi que não doía. Ri de mim mesma, acenei para quem olhava. Disse que estava tudo bem. Fui andar pelo hospital, porque ainda não havia chegado o trabalho de parto ativo.
O tempo entre as ondas aumentou (pra mim. Mas diminuiu no tempo real). A força com que elas vinham também. Eu dançava. Balançava para os dois lados, olhava em volta e sorria. Havia um bicho querendo sair de dentro de mim e não é de Madalena que estou falando. Uma onça, leoa, loba. Chame do animal que quiser. Mas veio! Veio com tanta força que eu agachava segurando onde desse, virava os olhinhos e dizia pra mim mesma: isso não é dor, é amor.
Literalmente – a Ocitocina natural que meu corpo vomitou em cada célula estava fazendo um belo trabalho. Eu disse que não conseguiria ir até o fim e a parteira disse que era mentira. Eu disse que iria morrer, ela repetiu que não era verdade. Eu pedi anestesia e ela, respeitando meu plano de parto, perguntou se eu não queria esperar, que já estava quase lá.
Eu esperei. Eu me enfiei na ducha quente. Eu Urrava com a força daquele animal que crescia e nascia em mim. Animal mãe. Pedi mais algumas vezes pela anestesia, continuei repetindo aquelas mentiras. Eu gritava “por quê?”. Não deu tempo. Quando o anestesista apareceu na porta, claramente assustado com minha posição e grito selvagens, Madalena coroou.
E, graças ao bom universo, eu não levei agulhada na coluna. Subi de quatro na cama e, num instinto inconsciente de patriarcado que oprime, deitei de barriga pra cima – é a pior posição pra parir, mas o cinema introduziu isso em mim e, num ato impensado, fiz. Ouvi alguém mandando empurrar. Pensei “é agora”. Eu entendi a expressão “tirei força do útero”. Eu inspirei e empurrei, num grito que durou uma eternidade. Eu segurava o braço de alguém, mas não tenho ideia de quem era. “Mais uma vez!”. Empurrei em outro grito e senti um espaguete saindo de mim. Eram as perninhas. Ouvi um grito rápido e fino. Era minha filha que, ainda presa pelo cordão pulsando, dormia calmamente sobre a minha barriga. Eu não conseguia chorar. Estava num tipo de estado de choque – soluçava de choro, mas não saíam lágrimas. Olhei para cima e vi Lucas cortando o cordão. Ela subiu, pele com pele. Uma toquinha. Pegou meu peito esquerdo e ali ficou, enquanto eu paria a placenta. Saiu inteira, não quis levar. Entendi que ali morria uma parte de mim para fazer nascer uma mulher bicho. Desapego, pensei. Apego – as 24 horas que seguiram foram só nossas. E os 30 dias também. Ela dormindo em cima de mim, pele com pele, e mamando vez ou outra. Estávamos ambas cansadas. Começou ali uma conexão que pode ser estudada por anos, mas só é possível sentir.
A enfermeira chorava. Lucas chorava. Madalena e eu tentávamos entender o que estava acontecendo. Eram 21h17 do dia 23 de fevereiro, domingo de carnaval – frio na Catalunya. Eu desmaiei no primeiro banho sozinha. Passamos o carnaval no hospital. Na quarta-feira de cinzas, quando a vida volta ao normal, eu fui para casa. Meu novo normal começou ali. Treze dias depois, pandemia declarada e confinamento obrigatório.
São 34 semanas carregando a bebê por aqui. Eu sei disso porque tenho um aplicativo. Não sei como minha mãe fazia para ter certeza de qual semana estava – é uma conta bem maluca e ainda não tenho certeza se entendi. Mas vamos lá. Trinta e quatro semanas de transformações tão malucas, que não saberia dizer de onde vêm ou pra onde vão. Mas sei que ela mexe muito agora. Mesmo. Posso ver a barriga se movimentando aleatoriamente, como se houvesse um alien dentro dela. Mas é só minha bebê tentando achar espaço no espacinho miúdo – o que eventualmente significa apoiar um pé numa costela, apertar a bexiga ou escalar o umbigo (fico imaginando que ela faz o tipo de um pole dancing no cordão umbilical). Neste ponto do processo, já passei por quase quatro meses com a sensação da pior ressaca da minha vida, em paradoxo a descobertas incríveis sobre mim mesma e uma desintoxicação intensiva do corpo – álcool, diminuição de cafeína, comidas que nem sequer eu conseguia por na boca. Tudo isso acrescido da bomba hormonal e um turbilhão de emoções, carinhos e afetos. Em seguida, vieram os meses de Mulher Maravilha. Realizei um monte de viagens com uma dose extra de caminhadas. Eu poderia subir até o topo do mundo com minha mini-pança – e desde que tivesse mexerica, que não consigo parar de comer desde o dia do teste positivo. Trabalhei muito, muito mesmo. Fiz hora extra para receber mais. Peguei mais freela.
Cheguei ao terceiro trimestre pensando: agora eu vou arrebentar! Arrebentei mesmo. As costas doem, toda a região pélvica parece estar estirando. A azia sem escrúpulos faz com que eu sinta uma vontade louca de vomitar quando deito para dormir. “Dormir”. Porque as pernas começam a ficam inquietas pela circulação esquisita, a barriga não encontra posição favorável e o xixi… Ah! O xixi. Ainda não tem bebê para acordar a cada três horas – ou mais, ou menos -, mas tem uma bexiguinha maravilhosa que faz o mesmo papel. Em suma, a noite é desafiadora e, durante o dia, preciso dez vezes mais de força para realizar qualquer atividade. Qualquer uma mesmo. Outro dia, tomei banho e fui vestir minha calça – sentada no sofá, porque é difícil colocar em pé. Demorei uns 10 a 15 minutos para finalizar. A cada movimento, eu me perdia fazendo outra coisa. É sono, fome, vontade de chorar sem razão e um déficit de atenção absurdo.
As marcas da gestação somada à falta de foco já podem ser vistas no corpo: queimadura na mão, um arranhado fundo no joelho que fiz com a própria unha, outro na barriga feito com o preguinho do portão e por aí vai. Vi filmes, li livros, falei com outras mamães. Me senti menos maluca ao saber que tudo isso é normal. Mas não menos aliviada da porcaria da culpa, que acaba acompanhando a gente mesmo não-grávida. Porque tudo isso é transformação e aprendizado, mas existe uma espécie de impotência que acaba validando as sombras que você já carrega enquanto ser humano vivendo em comunidade. Afinal, quem nunca ficou no pêndulo entre a culpa de estar descansando e a ansiedade do que precisa ser realizado? Não pense que fica mais fácil enfrentar isso quando está grávida por já ter outras coisas na cabeça. Afinal, gestando, não dá nem para tomar aquela cervejinha que dá uma relaxada.
Os gatilhos de ansiedade são muitos e o tempo todo. Estar em casa descansando porque, tecnicamente, você está existindo por duas pessoas: tem mais sangue sendo produzido, os sistemas circulatório e respiratório trabalhando mais loucamente, a comida, as sensações, as atividades físicas… Tudo tem um fim chamado bebê. E ela também está trabalhando muito! Ela treina contrações – posso sentir quando isso acontece. Também treina respiração e, não raramente, fica com solucinho. É quando eu procuro dizer pra ela que está tudo bem e vai passar. Se eu fico ansiosa, ela fica extremamente agitada. Quando choro, ela fica quietinha. Quando estou calma, ela se movimenta mais livremente e não sinto tanta dor.
Li que somos uma “díade” mãe-bebê. A verdade é que me sinto assim mesmo. Só penso nela, por ela e para ela. Finjo que não, que tenho outros interesses, porque acho importante não me perder de mim neste processo. Mas o quão difícil pode ser prestar atenção a sua própria divisão de identidade quando é você que está carregando um outro ser vivo por 24 horas dentro do seu corpo, ligado a você por um cordão que te responsabiliza pela alimentação, respiração e estímulos dele?
Mudar esse entendimento de que a gestante é um ser mágico gerador de vida, mas que não é uma obrigação social; entendê-la e cuidá-la pode garantir seres humanos ótimos e qualificados no futuro, que vão contribuir com esta mesma comunidade que, no momento da gestação, não entende o que essa mãe passa, acha que tudo é frescura e não fornece políticas públicas e de trabalho que assegurem melhor qualidade de vida durante a gravidez e os primeiros meses da criança.
No meio disso tudo e de um sistema de capital e governo que não está pronto para olhar para a gestante como um investimento a longo prazo, você sente que não rende o suficiente, que não produz o suficiente, que não está fazendo o suficiente. Que dormir à tarde é fazer corpo mole enquanto a louça está na pia. Que não responder o WhatsApp em tempo real é falta de respeito com as pessoas que se preocupam com você. Que não conseguir dar conta de um trabalho no mesmo tempo que antes é absurdo porque gravidez não é doença. Que não conseguir ir a um passeio é falta de força de vontade. Culpa, culpa, culpa. E, por fim, que sentir tudo isso faz mal para o bebê. Culpa outra vez.
Para entender melhor esses processos de culpa, fiz algumas perguntas ao meu parceiro. Ele é psicólogo e trabalhou um bom tempo acompanhando gestantes em situação de rua, que enfrentam todas essas questões acrescidas da falta de estrutura e grupo de apoio. Veja um compilado do que ele me disse. Ele, vulgo Lucas Adon.
“Todo exercício de autoconhecimento é válido: de fazer um diário a escrever cartas pra si mesmo, passando por meditação guiada e estratégias mais práticas de respiração e exercícios físicos, mesmo pra relaxar depois num bom banho quente. A questão é planejar o tempo, para que produzir possa ter espaço e descansar tendo feito o possível e necessário esteja a contento. Essa é outra possibilidade de trabalhar a aceitação. Porque aceitar que pode fazer o possível é saber seu limite e tranquilizar que faz o que pode é necessário para descansar com qualidade.
A ansiedade, como diz bem Rollo May no seu livro, é um gatilho natural hormonal que nos prepara para um estado de alerta conhecido como Luta ou Fuga, porque ou brigamos ou fugimos em uma emergência. Este estado, quando tem um porquê, nos salva. Mas quando elucubra, confabula e inventa, pode se tornar patológico. Importante diferenciar uma coisa da outra. Prestar atenção à respiração ajuda, porque diminui a pressão sanguínea e pode ser um ótimo mecanismo de tomada de controle e lembrete de foco nas técnicas mentais de defesa, que podem ser direcionadas para cada vez mais aguentarem as tensões (se você não tiver um grande trauma). É como alongar os tendões: pouco a pouco, sua reflexão melhora.
O humano, por ser um indivíduo bio-psico-social, tem peso de ¹/3 para cada uma dessas áreas. As grandes cidades, as rápidas mudanças tecnológicas, as necessidades criadas e conseguintes frustrações causam pressão, como a construção não só da carreira, mas de todo o Plano de Vida, conceito do Carl Rogers em ‘Tornar-se Pessoa’. Para tornarmo-nos mais humanos e mais “completos”. O estado de conectividade causa um frenesi de informação e isso é muito código para decifrar e processar. Viver achando que está perdendo vida social faz de nós, 1/3 sociais, mais ansiosos para estarmos presentes. Dois conceitos entram aí: um do Jacob Moreno, do Psicodrama, que é a autoimagem neste teatro da vida (além da flexibilidade frente aos papéis), e o conceito de Choque Futuro (Future Shock), que projeta a esponja de absorção de informação cheia e as pessoas ‘travadas’ em tilt.
A tecnologia física aumenta e a tecnologia dos relacionamentos deve ser respeitada, assim como a natureza. Os desafios, como toda pilha de pó que se avoluma embaixo do tapete, ou se resolve ou explode. O que vai ser?”.
O primeiro dia do ano não foi do tipo postável no Instagram. Foi dia trabalhado e com gripe, um tantinho de febre e nariz de bozo. Foi como uma ressaca do ano que passou – um ano de delícias e desafios. Um ano do próprio John Travolta perdido olhando para os lados.
Mas o corpo dá seus sinais, de fato. E o sinal foi claro: você precisa parar. Não é à toa que uma gestação dá mais sono que o normal. A mulher precisa colocar energia para dentro ao invés do inverso. A questão é viver em uma sociedade exigente desde o básico – pagar as contas na data – até o que há de mais complexo – o que você vai ser quando crescer?. E aí você se esforça. Sente-se culpada por estar mais cansada que o normal, afinal, tem uma vozinha maldosa que fica dizendo na sua cabeça: “a escolha de engravidar foi sua. Por que o capitalismo deveria ser empático a uma situação que é totalmente sua responsabilidade? Arque você com as consequências”. Vozinha ignorante esta.
Gestar tem se tornado, acima de tudo, a aceitação de que não precisamos viver como heroínas do tempo-espaço. Aceitação ao apoio sincero de outras pessoas que não necessariamente vão ganhar algo por serem empáticas a você. A aceitação de que tudo bem não produzir coisas o tempo inteiro e ter algumas necessidades maiores do que na maior parte do tempo da sua vida.
Também tem sido um exercício de grande admiração por outras mulheres. Uma avó gerou 11 filhos – apesar de um não ter sobrevivido ao pau de arara. A outra gerou seis. Ambas em um universo totalmente machista e de extrema pobreza, no meio do mato. Elas deram à luz sem uma série de estruturas que tenho hoje, com o apoio dos respectivos parceiros bastante limitado, dados os contextos de época. Além disso, dando conta de tudo praticamente sozinhas e faltando comida na mesa. Quando penso sobre isso e olho para as senhorinhas que elas se tornaram hoje, tão doces, fico pensando em toda força que existe por baixo desta delicadeza às vezes transformada em debilidade aos olhos dos outros. Elas são uma verdadeira fortaleza. Todas somos, em universos diferentes.
A gestação tem sido, acima de tudo, um reconhecimento da mulher em nosso íntimo cheio de medos e superações (leiam Maya Angelou, pelo amor das deusas). Cheio de lugares intocados, feridas e ansiedades que não se sabe de onde vêm, mas que acabam levando a lugares totalmente desafiadores.
Vai ser um 2020 praticamente inteiro gestando – principalmente entendendo que, uma vez que o parto acontece, a gestação da mãe segue adiante – e espero conseguir compartilhar aqui todos esses devaneios e informações que possam ajudar alguém: seja a pensar melhor, a se distrair mais, a ter informações precisas sobre assuntos específicos ou simplesmente a saber que é parte de algo, que não segue só. Você vem?
A romantização atrapalha. Frustra. Porque você cria expectativas inacessíveis e, obviamente, elas não acontecem. Eu mudei de país. Estou morando em Barcelona e não tenho do que reclamar: vivo com o cara que eu amo e vice versa, me sinto cada vez melhor, tenho trabalhos incríveis, passeio, danço, faço parte de grupos de amigos que nem imaginei encontrar por aqui. Essa parte todo mundo sabe. Está lá no Instagram, no Facebook e nas conversas por WhatsApp.
Mas hoje é sexta-feira à noite, em uma das cidades que mais tem coisas a fazer do mundo, e o Lucas acabou de sair para trabalhar – o turno dele nesta semana vai das 23h às 7h. Para que possamos ter momentos juntos e resolver coisas da casa, eu resolvi fazer o mesmo turno. Então, sigo trabalhando neste horário. Está frio, uns 8 graus. O apartamento que moramos, dividido com outro casal por conta da crise imobiliária do Airbnb, não tem calefação. Aliás, ligar um aparelho para deixar o ambiente mais quentinho pode derrubar a energia da casa inteira.
Meu quarto é uma graça, com varanda. Mas tem um buraco no chão. Sim! A madeira cedeu e o locatário pediu pra dar um jeito até que ele tivesse paciência de falar com a administração do prédio. Não comemos carne e, por isso, colocamos a tábua de madeira da cozinha no pé da cama, para tapar a cratera. Uma observação importante é que passamos um mês vivendo de favor em diferentes casas até conseguir que alguém aceitasse uma “pareja” alugando o tal do quarto.
O banho é quentinho, uma delícia! Até que acabe o gás, de bujão. Aí eu grito pela varanda fofa a um dos tiozinhos que passam batendo metal pela manhã e eles trazem o gás aqui pra cima. Mas mudaremos em breve para um lugar melhor – ainda dividindo, mas sem buraco no chão. Positive vibrations sempre. Tem ainda o fato de ser tudo em catalão, que obviamente não sei falar, incluindo o início de conversa com a maioria das pessoas. A língua local é uma arma de resistência do povo, que admiro cada vez mais por essa e outras.
Ainda assim, reconheço meus privilégios. Eu estou trabalhando da cama e tenho quantas cervejas eu quiser tomar na geladeira. Isso porque o salário aqui tem valor real – o que você ganha de fato possibilita pagar as contas e guardar alguma coisa. Também me sinto extremamente segura, já que dificilmente alguém vai invadir o prédio pra assaltar ou coisa assim. O medo de furto fica por conta dos carteiristas, mas só no caso de você não estar acostumadx com ruas de São Paulo ou Rio de Janeiro.
Além disso, a casa não é o único espaço possível. As ruas são feitas para pessoas e não para carros. A qualquer hora que saia, você vai ver gente para todo lado, crianças e senhores passeando. Você vai ver trabalhadores tomando uma boa “canya” (chope) no almoço, pequenos grupos de “niños” correndo loucamente pelas praças e patinetes – MUITOS patinetes. E tem ainda a cerejinha: não importa o dia, sempre que saímos pela porta afora tem uma surpresa – uma feira de alguma coisa, uma festa de bairro, um festival, luzes… Não dá nem pra enumerar!
Uma amiga catalã me explicou a maior parte das tradições e contou ainda que, aqui, as crianças formam desde cedo pequenas comunidades de bairro, onde se tornam monitoras quando mais velhas. O senso de coletivo é muito forte! Fechar sua varanda pode ser mal visto, afinal, por que você não gostaria de fazer parte da comunidade? A própria língua dá a deixa: em catalão, quando alguém pergunta “como vai você?” e você não quer papo, o ideal é responder algo como: “normal”. Se você diz que está bem ou mal, o interlocutor vai perguntar “por quê?” – e ele quer MESMO saber.
Por que estou dizendo tudo isso? Porque, hoje, me parece tão bobo e óbvio. Mas não era quando eu cresci no colégio e tinha pânico de ir até a esquina sozinha – literalmente. Precisei de ajuda de algumas pessoas para conseguir andar sozinha na rua ou em transporte público sem o coração disparar, a mão suar e o olho encher de água. Já saí correndo algumas vezes por causa de… ninguém. Também não foi bobo e óbvio quando entendi o raciocínio egoísta dessas eleições, que desprezaram totalmente o valor de troca e cuidado. Continua não sendo a cada notícia que vejo falando sobre extermínio indígena, sobre “rosa e azul” e assim segue. By the way: na Itália, fui expulsa de uma igreja por estar rezando com blusa de alcinha que mostrava minha tatuagem. Aqui, ninguém liga pras mulheres de peito de fora andando pela orla.
Porque ninguém manda no meu corpo. Porque a liberdade vem também com o apoio do Estado pelo mínimo de condições humanas não degradantes. Porque, aqui, mesmo estando ilegalmente você tem um documento chamado “empadronamiento”, que te coloca como responsabilidade do governo para cuidados básicos como a saúde. Porque pessoa em situação de rua tem um negócio chamado “sala de uso controlado de drogas”, que pratica a política de redução de danos na reabilitação de viciados. Porque aqui a legalização do aborto é entendida como questão de saúde pública. Porque aqui a resistência está estampada em cada janela com uma bandeira da Catalunya pendurada, nos broches de liberdade aos presos políticos e no discurso – que vai desde a mocinha da padaria até o senhor escalando a pedra mais alta da região.
Romantização não leva ninguém a lugar algum. Resistência mantém você onde deveria estar – e vai doer, mas você vai poder falar a sua própria língua e revolucionar a história para seus filhos poderem andar de patinete. Feliz 2019!
Sabe, não sou católica. Não sou evangélica. Já fui, fervorosamente. Mas não sou mais. O meu Deus não é personificado. Ele é um sentimento muito forte e que eu consigo acessar de maneiras incríveis, diariamente, porque ele também não está longe de mim. Ele também não está acima de todos. Ele está dentro de todos. Ele é representado em cada ato de amor rotineiro e que não precisa de uma encenação teatral para acontecer. O meu Deus é pura energia do Universo traduzida em ações e reações pequenas, delicadas. Ele se apresenta a mim de maneira muito próxima – quando entro na água, quando vem a tempestade ou quando o vento seca uma lágrima. A sua visão de Deus não me representa.
Mas não para por aí. O senhor não me representa porque mente. Mente tanto, que mente que não mentiu. Mesmo quando sua mentira está exposta para quem quer que seja. E a mentira, senhor presidente, não é coisa do meu Deus. Meu Deus também não gosta de ser usado, não. Quando o senhor promete limpar o país fazendo com que as minorias se curvem às maiorias, o meu Deus chora. O seu não?
Vi este texto sobre o senhor (que coloco abaixo entre aspas) pipocando em minha timeline uma centena de vezes. E gostaria de me opor. Sei que o senhor não vai gostar e, provavelmente, vai começar a gritar palavras sem sentido para mim. Mas eu não ligo. Porque aprendi a resistir de voz baixa. Sobrevivi a uma profissão onde diziam que só um homem poderia tocar adiante – ouvi isso uma série de vezes, o que só me fez mais forte. Sofri preconceito, assédio. E, hoje, escolho com quem vou trabalhar. Sempre falando fino e baixo. Então, o senhor não me representa, mas não me oprime também.
“O assassino que nunca matou ninguém, o ditador que sempre foi eleito pelo povo, o homofóbico que recebe beijos e abraços de homossexuais, o nazista que adora Israel, o racista que tem um negro como melhor amigo ha vários anos(Helio Bolsonaro), o violento que levou purpurinas, ovos, cuspe na cara e por fim uma FACADA no abdômen e nunca reagiu, o mentiroso que só diz verdades que doem, o louco que defende que bandido seja tratado como bandido, o estuprador que quer castração química pra estupradores, o radical que defende que o cidadão tenha o direito de defender sua família e sua propriedade, o burro que tem o maior Plano Econômico dos últimos 30 anos, o único corrupto que NÃO tem processo por corrupção, o candidato dos ricos que fez a campanha mais pobre da historia, o prepotente que ousa dizer que não negocia cargos com partidos em troca de tempo de TV.”
Vamos às correções:
– Matou, sim! Fazer o Pôncio Pilatos e lavar as mãos não tira o sangue das pessoas da sua responsabilidade. O senhor instigou a violência algumas vezes, no palanque mesmo, e depois disse que não tinha nada a ver com isso. Que governante é esse que se diz pulso firme e não se pronuncia após a morte em seu nome de um mestre tradicional de capoeira e representante da luta contra o racismo – com 12 facadas pelas costas?
– Ditador eleito pelo povo, assim como Hitler.
– Homofóbico, sim. E se receber beijos e abraços de homossexuais é suficiente para não caracterizar homofobia para você, então é preciso estudar mais. Uma grande quantidade de casos de violência contra mulher acontece dentro de casa, com o próprio marido, e ele continua postando foto de amor com ela no Facebook. Isso não significa absolutamente nada. Mas dizer que prefere um filho morto a gay significa.
– Idem ao nazista. Idem ao racista.
– Violento, sim. Expulso do exército porque não falava coisa com coisa e era a favor da ditadura. Violento porque ensina crianças a importância de saber atirar. Meu filho o senhor não vai pegar no colo, não. Porque, na minha casa, eu quero educação, quero livro, quero amor e resistência. Não quero violência. Não quero soluções paliativas a um problema que tem como base única sistemas sociais falhos.
– Verdades que doem… Isso é um fato. As únicas verdades que doem que o senhor me trouxe até aqui é a de que pessoas queridas alimentam sentimentos de ódio que nunca colocaram para fora. Ofendem e desrespeitam legitimadas pelo que o senhor as fez sentir.
– Castração química não é prevenção. É sadismo.
– A defesa de família e propriedade deve ser garantida a qualquer cidadão, principalmente aos nativos de quem nós roubamos as terras e matamos as famílias: os indígenas. As demarcações precisam existir, sim! E MST só invade propriedade improdutiva. Pare de continuar espalhando mentiras para criar um inimigo comum. De novo, isso não me representa.
– Maior plano econômico dos últimos 30 anos? O senhor me perdoe, mas o único plano econômico que me apresentou até o momento foi: pergunte ao Paulo Guedes. Perguntamos e ele disse absurdos que o senhor voltou atrás.
– Não é corrupto? Mesmo tendo feito parte de um dos partidos mais corruptos do Brasil há anos, conhecidos pelo “rouba, mas faz”? Não é corrupto, mesmo tendo claramente usado de Fake News para criar sua vitória? Não corrupto mesmo ferindo todos os direitos humanos em cada uma de suas falas?
– Campanha mais pobre da história? Então, por que não houve report dos gastos da sua campanha, transparentes e abertos à população, como houve de seu concorrente? Queremos analisar esses números.
– Quem precisa de tempo de TV quando a Record faz um acordo de só divulgar notícias a seu favor, a ponto de fazer a editora de seu jornal pedir demissão por não compactuar com isso?
O senhor não me representa. Então, por favor, não diga que o vai fazer. Não faça uma roda de oração em rede nacional para, mais uma vez, ser protagonista de um teatro que tem transformado o senhor em mártir e trazido cegueira à metade da população. Não me representa e nunca vai. E serei resistência. E vou ficar no seu pé. E vou denunciar cada passo seu. E vou cobrar cada ação. E o senhor vai cansar de mim. Mas eu não vou cansar do senhor. Porque falo baixo e fino, mas estou apta ao cargo.
Por um momento – um rápido instante de uns três dias – pensei: chega disso. Vou parar de me posicionar. Entendam, não é tão simples assim lutar. Me perdoem os fortes mas, às vezes, me sinto fraca. Mas estou recebendo uma chuva de amor e força tão grande, que sigo tentando. Este texto aqui – para quem gosta de ler e se informar – é uma das coisas mais nojentas que li hoje. E mais reais.
Fiz meu primeiro trabalho voluntário aos 15 anos. De lá para cá, busquei N formas de dar um pouquinho de mim. E eu não estou falando apenas de trabalhar de graça para os amigos, abrigar em casa quando necessário ou coisa assim, uma vez que acredito que ajudar as pessoas em volta é o mínimo para se viver em comunidade. Estou falando de fazer por quem a gente não conhece mesmo.
Depois de um tempo, percebi que o assistencialismo é limitado e paliativo. Ele resolve no momento, deixa minha consciência limpa e não muda uma realidade por inteiro. Nesse ponto, passei a optar por candidatos que compactuassem com políticas sociais. Fui para as ruas muitas vezes e ainda vou – sempre tentando fazer mais por aquilo que acredito.
Me ocupei da arte. Realizei – nunca sozinha – ações de ocupação de espaços públicos e eventos sem lucro, usando a música como ferramenta de transformação. E só quem está muito perto sabe o quanto foi e é difícil conciliar tudo isso com um emprego tradicional. E não, nunca “mamei nas tetas da Rouanet”. Pelo contrário – lutamos para aprovar muitos projetos e alguns até foram, mas não houve captação. Porque não é fácil assim, não é simples assim.
Nesse bolo todo, destaquei o papel da mulher e o quanto somos tão livres e competentes quanto o homem. E como é difícil explicar para alguém que o problema do peito de fora não é o peito de fora, mas a maneira como você olha para o peito de fora. A objetificação do corpo da mulher está no olhar do homem e não no corpo da mulher. Não foi minha amiga que se insinuou para o parente, aos 12 anos de idade. Foi ele que a violentou.
Neste momento de tudo à flor da pele, tenho lido coisas tão assustadoras, que fico triste de imaginar que é isso que eles pensam de mim. Me fudi pra caralho pra conseguir viver de acordo com o que acredito e ainda pago preços altos por isso, mas não poderia estar mais feliz: meu marido e eu pagamos nossas contas, conseguimos fazer uma mudança importante em nossa vida e, de quebra, não paramos de estudar.
O ponto é: parem. Parem de ofender achando que está tudo bem. Parem de olhar só para si mesmos e achar que tudo bem falar mal de mulher, gay e qualquer pessoa que pense diferente só porque resolveu endeuzar um cara. Eu gosto muito do meu candidato também, mas ele não é um mito. Ele é alguém que estou contratando e pagando com meus impostos para prestar um bom serviço a meu país. E, caso ele não o faça, vou cobrar da mesma maneira. Ele não é minha religião. Parem de usar o voto como desculpa para por para fora todos os seus demônios.
Eu tenho uma janela. E ela fica aberta o tempo inteiro – dia, noite, chuva, sol. Não tenho mais medo. Durante muito tempo, minhas janelas ficavam fechadas. Havia medo de bicho, do tempo ruim, de um ladrão. Durante boa parte da minha vida, mantinha ainda uma luz do corredor acesa, pois os fantasmas também pareciam apresentar risco.
Agora, nada disso se faz necessário. Todas as luzes ficam apagadas e, lindo que é, o fato de a janela ficar o tempo inteiro aberta faz com que meu espaço tenha sempre a luz ideal para seguir com todas as atividades – do trabalho diário ao sono. E eu acordo com o sol despertando aos poucos, liberando cada um dos hormônios do meu cérebro de maneira gradativa.
Manter a janela aberta tem seus riscos. Eu me exponho. Exponho meu corpo e alma a quem quer que passe, a quem quer que fique à espreita por trás de sua janela fechada no apartamento da frente. Mas existe liberdade nisso. Eu não tenho mais medo de mostrar as vezes que estou nua, as vezes que estou rindo alto ou chorando em silêncio. Eu não tenho mais medo, porque estou dentro da minha casa e só olha quem quer. Não tenho mais medo de mostrar. Estou segura aqui. E o que o outro faz com o que vê não é problema meu.
Podem entrar pernilongos também. E coça. Incomoda. Muitas vezes, eles vêm e vão sem que eu os veja, apenas sinta o resultado da fome por sangue que eles têm. Mas eu também não ligo mais. Isso passa. E eles nunca ficam. E depois morrem de barriga cheia com aquilo que nunca os pertenceu.
Os fantasmas? Quando comecei a abrir as janelas, percebi que eles nunca puderam me fazer mal algum. Eu aceitei cada um dos fantasmas que andavam comigo. Entendi que eram muito menores do que eu os via com as cortinas cerradas fazendo sombra na luz do corredor. Os fantasmas nada mais eram do que pedidos de socorro. Eles gritavam na minha orelha o tempo inteiro: “abra sua janela! Eu preciso sair”. Mas eu não os ouvia. Eu me assustava e escondia a cabeça embaixo do cobertor. Então, fingia estar dormindo até que isso fosse real. Fazia-me invisível, outro fantasma – de carne e osso.
E, até determinado momento, era real. Eu ficava ali, escondida. Mas não incomodava ninguém. Mesmo assim, vez ou outra o vizinho se pendurava na minha janela fechada para tentar ver o que tinha lá dentro. E eu nunca gritava. Eu me escondia – de novo – de medo – de novo. Agora, que a janela está aberta, ninguém mais se pendura nela. E muita gente se incomoda pelo simples fato de eu não ter medo dos fantasmas, não ter vergonha de me por nua no mundo.
A nudez só é pecaminosa na cabeça de quem a deseja. O fantasma só é perigoso no coração de quem não o aceita. O mundo só se torna hostil para quem não percebe como os mosquitos – por mais inconvenientes que pareçam – são apenas pequenos seres procurando comida. Dê amor.
No episódio de hoje, tia Abacaxi vai explicar o que está aí no título, didaticamente: entenda porque o Bolsonaro é um cara legalzão.
Sabe aquele cara legalzão do colégio que vive cercado das mesmas pessoas – que o seguem sem questionar e apoiam tudo que ele faz? Este é o Bolsonaro. Isso mesmo! Aquele que desenvolve um relacionamento abusivo com meia dúzia de colegas para não se sentir sozinho.
Aquele cara, que utiliza as fraquezas de outros estudantes para tirar sarro da cara deles e se auto-afirmar o tempo inteiro. Sabe? Aquela pessoa que, depois que fala, você sempre ouve alguém ao fundo dizendo “viiiishe”. Aquele cara legalzão, totalmente vazio de argumentos, que sai gritando, esporrando e diminuindo todo mundo em volta. Este é o Bolsonaro. E isso que ele faz tem um estudo completo: chama-se falácias da comunicação. Elas podem ser de vários tipos. veja alguns:
– Usar uma causa que não tem a ver com o assunto para desvalorizar a argumentação – alguém diz que o que você está fazendo é errado e você retruca dizendo: quem é você para falar? Olha seu cabelo!
– Desvirtuar o foco do tema para desvalorizar a argumentação – você diz que o país precisa de mais investimento em educação e o amiguinho retruca dizendo: nossa, muito me surpreende você falar de investir em educação quando não aceita que o governo militar volte para dar melhor educação a seus filhos.
– Utilizar comparativos para argumentar conclusões falsas ou incertas – a pessoa mostra um gráfico que fala que os oceanos diminuíram no período de 2017 e outro gráfico que conta que os passarinhos viajaram mais para o norte no mesmo período. Portanto, a diminuição dos oceanos é causa da viagem dos passarinhos.
– Apelar para o emocional – esta é a clássica: sério que você vai deixar comida no prato com tanta gente passando fome no mundo?
E por aí vai.
Bolsonaro é claramente um conhecedor profundo de falácias e suas mais diversas maneiras de serem utilizadas.
O que eu quero dizer, caro amigo, é que ele precisa fazer isso. Ele precisa gritar e contratacar perguntas como “qual seu plano de governo?” com “não sei como é com sua esposa, mas no meu caso…”. E sabe por quê? Porque ele não tem um plano de governo. Simples assim. Então, ele grita qualquer coisa para um coleguinha atrás dizer “viiiishe” e fim.
Só que, quando esse cara legalzão sai da puberdade e quer assumir o governo de um país, começa a ser perigoso. E quando a turma de guarda-costas cresce para 4 milhões de seres votantes, fica ainda mais perigoso. Entenda, não estamos aqui falando de direita ou esquerda – até porque existe uma certa unanimidade no que diz respeito a este tio legalzão. Estamos falando especificamente de atuação contra os direitos humanos, de contradições, de mentiras, de chamar uma mulher de vagabunda em frente da câmera de vídeo (enquanto representante do poder público), sobre assumir inadimplência e outros crimes simplesmente porque sabe que vai sair impune, sobre achar ok o racismo e a homofobia e, não menos importante, mulher ganhar menos. Ah! E responder esta pergunta com: “mas você ganha menos que ele”. Juro, só faltou mostrar a língua pra Renata Vasconcellos e chamar de ‘sua boba’.
Quando a TV impede o cara de mostrar uma cartilha em rede nacional, é para não vincular qualquer tipo de material a uma campanha política. Não faça uma leitura errada disso. Educação sobre gênero é deveras importante e você, como pai e mãe, deveria saber disso. Seu filho não vai virar nazista porque aprendeu sobre a guerra na escola e não vai se tornar gay porque entendeu o que isso significa (e, pelo amor de Deus não faça a leitura: você está comparando nazismo com identidade de gênero). Mas, caso ele seja gay, vai ser muito menos sofrido se houver um ambiente menos hostil onde ele possa ser quem é. E, caso não seja, vai ser muito mais respeitoso com quem é se entender as coisas pelas quais aquela pessoa está passando. Não sejamos ignorantes.
Facilitar o uso de armas por uma população inteira que não sabe atirar também não é inteligente. Minha tia deu um tiro na própria perna sem querer. Fica a dica. Hoje, no Brasil, a licença para portar uma arma de fogo exige duas coisas básicas e justas: saber atirar e não ter antecedentes criminais. Então, por favor me explique, o que exatamente o Bolsonaro está dizendo quando fala sobre armar a população?
Sabe aquele cara legalzão da escola? Tenho uma surpresa pra você: ele não é legalzão. Ele só pensa em uma coisa: controlar. E vai usar todas as ferramentas que tem pra isso. Sabe quando o namorado ou namorada trai, você está vendo um vídeo da traição, e a pessoa está dizendo: “não fui eu. Alguém quer me prejudicar”? Este é o cara legalzão, este é o Bolsonaro. Não importa que você esteja esfregando na cara dele o que ele falou, ele assume a postura que achar mais conveniente naquele momento e sempre tem alguém para gritar “viiishe” no fundo. Se o país que você quer é esta eterna terceira série C, vote nele. Você está no caminho certo. Pode ter certeza!
Agora, se você deseja democracia, espaços de debate, evolução na educação e em outras políticas públicas ou econômicas, leia e estude sobre os outros candidatos. Entenda o ponto de cada um e o plano de governo que estão oferecendo. Em seguida, leia mais. Entenda se aquilo compactua com o país que você quer. Aí sim, você vota. Isso se chama voto consciente. No final dessa brincadeira, o cara legalzão se forma e você leva a culpa pelas coisas que ele fez. Não fique nesse relacionamento abusivo.
Dizem que, quando as almas gêmeas se encontram, elas vivem grandes aventuras e provações. Eu já vivi muitas provações com alguns namorados, mas a diferença de ser extensão de alma de alguém é que, quando é a pessoa certa, os desafios em volta só reforçam a parceria e aquilo que um tem pelo outro, a começar pelo carinho, cuidado e respeito.
A gente começou na sofrência, literalmente. Ambos de corações dilacerados
tomando aquela cachaça de nome sugestivo – sim, Sofrência – e dançando É o
Tchan em uma festa de casamento que ficou para história. Um ano e meio depois, seria o nosso.
Naquele dia mesmo, o frio na barriga tomou conta, o sorriso fixou no rosto e o beijo… Ah! O beijo! Intermináveis beijos a cada parada no farol. Uma cola inexplicável que não poderia ser lavada. Aumentou. Colou mais. Virou o casal “que está assim porque é o começo”. Os mesmos gostos, um equilíbrio de forças, um apoio mútuo. Tudo isso leve, livre e grudado. A loucura tomou conta do nosso espaço da maneira mais pura que poderia.
Aí teve a primeira festa de família, onde eu nem sabia o que vestir ou como falar. Veio a foto. Aquela foto que tirou a paz, mas trouxe força. Aquela foto que foi xingada, cuspida e virou uma longa história. A certeza do que se vivia era tanta, que o espaço foi respeitado: se quiser que eu vá, eu vou. Mas ele nunca quis. A gente sempre soube que havia se encontrado e que aquilo não poderia mais se perder. Era a melhor coisa, pela qual nunca tínhamos passado. Era o pote de ouro no fim do arco-iris e seríamos melhores enfrentando as coisas da vida juntos.
Críticas, julgamentos. Lágrimas, gritos. Paciência, perda de paciência. Um ponto final. Os pontos finais são maravilhosos, porque permitem que histórias continuem em um novo parágrafo, em um novo capítulo, em um novo mundo.
Meu ascendente em peixes e minha cigana espuleta não me permitiram sentir menos. Ouvia, via, sentia, sonhava. Conexões que eu não queria acabaram sendo criadas pela frequência energética e cortar esses barbantes interligados não foi exatamente uma das coisas mais fáceis de fazer – pneumonia. Sara pneumonia, asma se instala por meses. Passou. Casei. De branco, de tênis, de lambreta, com quadro de mulher armada no fundo das fotos. Exatamente como eu nunca imaginei. Tudo torto, tudo diferente, tudo com um amor que eu nem sabia que poderia sentir. E ainda há quem tente explicar o amor. Prefiro nem me arriscar.
Liberdade. Finalmente, laços não queridos desfeitos. Segue o amor, ainda mais forte. E as tomadas de decisão para evolução. Novas críticas, novos julgamentos. Chantagens emocionais intensas. Cada lágrima dele se tornou minha. O egoísmo de quem se diz amigo se materializando de maneira maldosa, com coração cheio de rancor. Mas tinha o outro lado. Sempre tem o outro lado. Para cada coisa ruim desejada, um leque de abraços bons energizando a rotina.
Foi assim no casamento. Mesmo que, depois do altar, eu tenha enfrentado a tradicional família brasileira machista mandando eu passar a lua de mel no alojamento sem terra, enquanto fazia check-in no hotel. Mas os abraços que eu tinha recebido ainda estavam vivos em torno de mim. Foi assim nas últimas 75 milhões de despedidas. Mesmo tendo quem dissesse, com todas as letras, que desejava que a gente não conseguisse alcançar nosso objetivo. Mas, os abraços… Ah! Esses abraços que sempre estão ali, no mesmo lugar, amando e protegendo.
Seguimos com nosso caminho. Fazendo o melhor que podemos e sem querer prejudicar alguém. Se você está lendo isso e deseja o melhor, desejo em dobro. Se você deseja o pior, te de desejo amor. O amor é a maior força construtiva. É real. De dentro pra fora. E nada nem ninguém podem contra ele.
Chegamos a Europa. E, daqui, narramos nossas novas aventuras. Boa sorte para todos nós, que assumimos o movimento da vida e os riscos que ele traz. Afinal, só se molha na chuva quem sai de casa. Sua vida é e sempre será uma consequência das suas escolhas. Você também pode optar pelo ambiente controlado e seguro, mas terá vivido todo seu tempo dentro de um quarto fechado. Entenda, isso não é um problema – somente uma escolha.
O que aconteceu com você, sociedade? Que aplaude de pé a esterilização ilegal de uma mulher e defende machista branco rico e bêbado na Rússia?
O que aconteceu com você, mundo? Que se cala diante da criança uniformizada morta pelo blindado enquanto voltava pra casa, mas chora a emoção do menino Neymar e seus milhões?
Você chama de ladrão, bicha e maconheiro. Mas esquece que o bandido é fruto de uma sociedade que você mesmo criou. O que você faria se não tivesse de onde tirar para estudar, comer, habitar, vestir? E ainda ouvisse geral apontando o dedo na tua cara, defendendo a meritocracia e dizendo que é um vagabundo e porque você quer?
O que você faria se o 1% da sociedade que tem dinheiro saindo pela culatra estivesse tirando o pão da sua mesa e pregando os valores da tradicional família brasileira?
Que valores são esses, que estão se importando mais com quem cada um transa do que com a comida que chega à mesa? Que valores são esses que chamam maconheiro de vagabundo e defendem o tráfico com unhas e dentes, porque “se legalizar, todo mundo faz”. “Se permitir o aborto, todo mundo aborta”. Meu querido, todo mundo faz – fuma, aborta, dá o que é dele. E não é porque é proibido que isso não acontece. Só que é por ser proibido que mais gente morre. É uma questão de saúde pública e sua mente limitada a uma falsa moralidade simplesmente não consegue enxergar.
O que mais você não vê?
Você ajuda a tirar a primeira presidente mulher do país do governo, na base de um golpe declarado em rede nacional, e continua fingindo que não vê. Você para seu dia de trabalho para ver os jogos, mas posta foto dizendo “sou brasileiro e vou trabalhar” quando o povo vai à rua em greve, pedir pelos seus direitos trabalhistas, que fazem diferença sim no fim do mês.
Você finge que não vê o desemprego crescendo, Marielles morrendo e polícia militar ganhando força na base do pipoco, enquanto a passagem do busão aumenta, a educação diminui e os cortes seguem – na saúde, na cultura, nos benefícios sociais que são pagos por impostos e acabam virando caixa dois.
Acorda, lava o rosto e vai pra rua. Não é o verde e o amarelo que vão salvar sua história, mas sim “estancar essa sangria” que desatou, arrancou tudo que você tinha e te deu apenas o suficiente para te fazer acreditar que você “fez por merecer”.
É muito louco pensar como está nosso condicionamento. Vivemos uma sociedade patriarcal e machista desde a Mesopotâmia. Sim! Segundo consta a história, nossos queridos pré-históricos viviam em um ambiente igualitário que, inclusive, conseguiu desenvolver um sistema de comunidade, tecnologia e agricultura (não exatamente nesta ordem) com base em direitos e obrigações iguais.
Em algum momento, o Código de Hamurabi resolveu anular os direitos das mulheres mesopotâmicas e validar o repúdio dos maridos a elas – caso fossem estéreis ou tivessem comportamentos considerados inapropriados.
O negócio começou a degringolar. Inventou-se que família correta é aquela com marido, esposa e filhos. A Igreja fica acima do rei, o casamento é uma ótima fonte de negócios e a garantia de manter a riqueza numa mesma família – não importa quantos anos passem. Não existe mais o “todos somos um”. Comunidade passa a ser uma casa fechada com o modelo tradicional padrão e proteção a qualquer custo.
A representação do núcleo família passa a determinar a maneira como agimos em sociedade e no mundo. Eu, homem, protejo os meus a qualquer custo – incluindo na lista anular o direito de fala e posicionamento da minha mulher -, esqueço que fazemos parte de um todo e crio territórios. Quero garantir mais dinheiro pro “sangue do meu sangue” – esquecendo também que, em algum momento da história, todos tivemos o mesmo sangue – e, para tanto, preciso conquistar riquezas. Essas riquezas vêm por meio de colonização, escravidão escrachada ou velada, petróleo. Eu crio guerras.
Você percebe a bola de neve que uma disputa babaca de poder faz? Você percebeu quantos padrões nós criamos e não sabemos nem o porquê? Fui longe no raciocínio para explicar que o machismo não tem exatamente gênero: ele é a reprodução de um padrão social criado em algum momento do nosso processo “evolutivo” para saciar um desejo por ter tudo e estar acima. Por isso, o cantor Victor Cavalcanti e eu criamos este pequeno manifesto abaixo, que marca também o lançamento do segundo vídeo da série “Fita Cacete” e convida à reflexão.
Até quando você vai continuar repetindo padrões destrutivos?
“Lugar de discurso é quando temos propriedade sobre o que estamos falando – seja pela vivência propriamente dita ou por experiências que deem contexto para tocar no assunto. A população LGBT precisa cada vez mais desse tipo de representação e, principalmente, estar unida nessa tarefa.
Torna-se ainda importante que os representantes do segmento se coloquem como seres humanos em relação uns aos outros e não encaixem seus relacionamentos em padrões machistas comuns à sociedade como um todo, resultando em agressões psicológicas e físicas.
Para além de casais que prefiram um tipo de sexo específico, cada vez mais é possível observar relações abusivas em toda a comunidade, incluindo uma parcela grande da LGBT. Tanto é que as estatísticas apontam para um número bem alto de pornografia focada em violência.
Não é sobre julgamentos. Não é sobre conservadorismo. É sobre respeito. É sobre perguntar ao parceirx o que ele quer, o que ele gosta e como ele prefere que a relação seja conduzida. Violência é violência e não precisa de tapa na cara para ser real. Uma agressão começa nos detalhes e, independente de gênero ou escolha de parceirx, o machismo ainda está muito presente e precisa ser eliminado.
São Paulo tem tantas opções de shows, passeios e eventos de todos os tipos, que sobreviver aqui de música é uma loucura diária e imprevisível. Uma das pessoas que deixou de lado a estabilidade de um escritório para entrar na empreitada é a Letícia Sábio. A cantora lançou o disco “Hortelã” e seguiu com inúmeros projetos cheios de talento.
Crescida nos anos 90, ela agora resolveu resgatar a década e criou um show todo delicado e cheio dos hits que você vai começar a cantar na cabeça assim que eu disser o nome do tributo: Sandy e Junior [documentário no fim do post]. “Você desperdiçoooou”… “Se a Lenda dessa paaaixãoooo”… Cantou, não cantou? Vai rolar dia 16 de junho e estarei no gargarejo atrapalhando a cantora com minha bela voz. Para saber mais, clique aqui e dá uma lidinha na entrevista que fizemos.
Você já quis ser amiga da Sandy? [Eu já]. Sim, super! Inclusive quando eu era criança e pré-adolescente, eu sonhei várias vez que ela fazia parte do meu grupo de amigas da escola, eu tinha quatro melhores amigas ela era a quinta. Em um dos sonhos eu desabafava com ela, contava segredos hahaha. Até hoje eu sinto que ela ainda vai ser minha amiga.
O quanto tudo isso influenciou sua personalidade musical hoje? Eu sempre fui uma menina romântica, tinha amores platônicos na escola, chorava de amor (peixes com ascendente em peixes e mercúrio em peixes, né? Haha) e as canções deles acalentavam o meu coraçãozinho romântico. Além de todo esse repertório romântico, a voz da Sandy dava certinho no meu tom de voz, então era delicioso cantar sozinha em casa todas aquelas canções.
Mas, quando eu penso na minha herança musical, coisas que cresci ouvindo, Sandy e Júnior era definitivamente destoante. Eu cresci ouvindo MPB, meu pai tinha pilhas de discos de vinil e de CDs de artistas como Fagner, Zé Ramalho, Amelinha, Raul Seixas, Cassia Eller, Gal Costa, Caetano, Gil, Marisa Monte e eu ouvia e cantava todos eles. Eu acredito que eu tenha uma boa mistura de influências musicais, mas S&J, até por conta do meu momento pré-adolescente romântica, dizia tudo o que eu queria dizer naquela época rs.
Você acha que chegou naquele ponto que a cultura dos anos 90 vira Cult e a galera perde a vergonha de assumir o que gostava? Eu acredito em um conjunto de fatores. Nós estamos vivendo um momento em que as pessoas estão realmente falando tudo o que pensam, dialogando e sendo transparentes nas redes sociais, “porque ali você pode ser sincero, que ninguém vai te julgar”… Não, espera… hahaha. Outro ponto é que a galera que era pré-adolescente nos anos 90 está bem adulta agora e, quando a gente vira adulto, não tem vergonha das coisas e fica com espírito de nostalgia diária. Claro que deve ter vários outros fatores que eu não saberia explicar, mas que a cultura dos anos 90 agora tá ficando cult, isso é real e só o campo mórfico poderia explicar.
Você já teve vergonha de gostar de alguma coisa? Acho que não. Eu gostava quando as pessoas me zoavam por gostar de Sandy e Júnior, era o meu momento de lembrar que eles já desceram na boquinha da garrafa hahaha, eu achava engraçado tudo isso. Quando eu realmente me irritava com as zoeiras, falava a minha lista de motivos que me levavam a gostar deles, aí a pessoa ficava com vergonha, porque eu estava falando sério.
Além deste show maravilhoso, você tem um disco autoral lançado, um projeto de música pra casamento, trabalha com marketing, tarô e astrologia. Como dá conta? Eu definitivamente não sei como eu dou conta, são 23h45 e eu estou aqui respondendo essa entrevista e, segundos antes, eu estava respondendo e-mails. Eu até gosto de estar com a agenda cheia, mas eu acho que eu só faço esse monte de coisa porque eu não consigo gostar de uma coisa só. Então, de um lado eu ganho dinheiro, de outro eu faço o que eu amo dar dinheiro e, do outro, eu faço coisas que eu gosto mesmo sem ganhar dinheiro, porque seria muito triste não fazê-las.
Tem disco novo em vista? Ou pelo menos alguma música? Disco novo, por enquanto não, mas músicas novas sim. Tenho algumas que eu escrevi depois que lancei o “Hortelã”. Então, neste momento, estou gravando o single “Um Cabideiro a Mais” e a intenção é lançar com clipe.
Com quem você queria cantar? Pode brisar 🙂 Nossa, com a Sandy seria pedir demais? Haha Mas eu queria cantar também com a Marisa Monte, com o Arnaldo Antunes, com o Jeneci e com um menino que conheci esse dias e é a coisa mais maravilhosa da vida, chama Rafinha Acústico ❤
Qual foi a sua catarse musical até o momento? Tudo o que eu aprendi até agora e principalmente sobre mim foi a maior catarse. Esses dois últimos anos foi a maior catarse, pois o universo musical é imenso e só ser artista ou só ser cantora e compositora não é suficiente para que você possa ser inserido profissionalmente nesse mercado. Existem milhares de cenários possíveis para que você trabalhe com música, qual você vai escolher? Entre ser um empreendedor ou não, entre trabalhar com entregas ou não, entre dar aulas ou não, entre ser freelancer ou não… Nossa! São infinitas possibilidades. E entender aonde eu me encaixo dentro desse universo infinito: essa para mim foi a minha maior catarse.
O que a vida profissional tem pra você este ano, segundo suas interseções holísticas? Minha trajetória profissional tem sido intensa nesses últimos dois anos – com a minha saída do mundo corporativo, minha formação musical e minha experimentação no universo autoral. Este ano, holisticamente falando, eu sinto que estou mais no meu caminho, com objetivos mais conectados com o meu propósito e com os meus valores. O meu projeto de música para casamento, o Música de Jardim, tem ganhado cada vez mais espaço dentro de mim e tem sido bem recebido pelo mercado (e pelo Universo). Sem dúvida ele é o meu foco profissional neste momento.
O que mais doeu na música? O que me dói até hoje é ver que o produto musical, o produto cultural em geral, ou é idolatrado ou é tratado como lixo. O Brasil não vê o valor da cultura, só vê o valor do status. Somente a fama é valorizada. O artista é detentor do maior potencial de uma sociedade, que é base e a riqueza dela, a cultura. Nosso país (e muitos outros) não utiliza a cultura da forma correta simplesmente porque ela tem um valor intangível e isso não tem valor para a maioria, ou melhor, ainda não perceberam o valor.
O que mais te sorriu na música? O que mais me sorriu na música é ver que, quando conseguimos ver a poeira da competição e da dor de não dar certo abaixar, enxergamos apenas o que é, na sua forma mais pura: pessoas querendo expressar suas dores, suas glórias e seus amores. Isso é lindo demais, porque a música em sua forma mais pura é amor.
Fofa, porém ferozmente produtiva. Essa dicotomia te deixa louca? Assim que eu saí do mundo corporativo eu desacelerei drasticamente, embora eu não quisesse, mas eu precisava me entender, precisava descobrir o que eu queria fazer profissionalmente a partir daquele momento. Eu vivi dez anos no mundo corporativo e ser produtiva/ ter metas já fazia parte de mim, mas eu queria alcançar metas que eu não estava emocionalmente preparada para alcançar naquele momento, então eu precisei desacelerar.
Com o tempo, eu fui entendendo aonde eu queria estar profissionalmente (e ainda estou entendendo haha). Percebi que ser ferozmente produtiva fazia parte de quem eu era também e que isso não era algo ruim (como um doença que eu peguei no mundo corporativo haha), era algo que me pertencia. Eu queria ser empreendedora e eu queria cantar o amor… E tudo isso que eu queria me fazia ser ferozmente produtiva e fofa. E essa dicotomia antes me deixava louca, mas agora eu lido bem melhor, porque essa dualidade é quem eu sou e não tem como negar quem somos, né?
Todas sofremos assédio. Todas sofremos assédio todos os dias. E todas conhecemos ou somos alguém que já sofreu uma violência de fato. A gente cala. A gente não leva adiante. A gente finge levar a vida adiante com essa história guardada numa caixinha bem lá no fundo, que acessamos vez ou outra, às escondidas, com a culpa de termos sido violentadas. Com a culpa de saber que alguém foi e não ter feito nada. Paralisia. Normatização da violência. Todas nos calamos.
Não importa o quão desconstruídas somos. Quando bate à porta, simplesmente não sabemos o que fazer. E, quando fazemos, temos toda uma sociedade para nos julgar, perguntar “como você se colocou nessa situação”? A Sheri, no seriado, diz uma das melhores frases: “sério que você está perguntando isso? Uma garota não se coloca nessa situação, ela só está lá se divertindo. Os caras criam essa situação”.
A série fala de bullying como um todo, de violências diversas – LGBTQ+, mulheres, nerds, pseudopunks e mais. E ferrou com a minha cabeça. Nada que você não veja todos os dias por aí. Nada que a gente não ouça casos na internet, leia notícias no jornal ou crie vídeos no Youtube. Nada mais absurdo que um cara se masturbando no ônibus em cima de uma mulher e sendo liberado pelo juiz – ah! Não! Espera! Isso não foi na série, foi em São Paulo.
Quando a Jout Jout chama as mulheres a fazerem um escândalo, ela não está sendo nazi ou emocional demais. Quantas mulheres aqui já se sentiram acuadas nas mais diversas situações? Em momentos recentes, eu estava em ambiente de trabalho e precisei dizer para mim mesma que era totalmente normal um senhor que eu não conhecia colocar a mão na minha perna enquanto a gente conversava sobre o mercado. Eu nunca expus isso a ninguém. Eu tive muita vergonha e era “só” uma mão desconhecida na minha coxa.
Imagine ser violada sexualmente. Principalmente quando é por alguém que você confia, ama e acredita. Imagine quanto tempo isso não fica rondando a sua cabeça e dizendo: a culpa é sua, você fez por merecer, quem mandou tomar cerveja?. Não é simples, não é fácil.
E não são as mulheres que precisam se proteger dos caras. São os caras que simplesmente não precisam fazer isso. Não devem. Consentimento é algo bem simples de entender: eu digo se eu quero e eu digo se eu não quero. Se eu não digo nada, não faça. Posso simplesmente estar paralisada. Não sou uma donzela, princesinha que não sabe dizer quando quer transar ou quando quer que você encoste em mim. Nesse ponto, é importante frisar: parem de criar suas filhas como princesas! Elas precisam conhecer o próprio corpo, saber o que querem, o que não querem e até onde permitem que outra pessoa avance.
E, por favor, não deixemos de fazer um escândalo. Precisamos internalizar isso até pararmos de ficar paralisadas diante de situações constrangedoras. “Tire a mão da minha perna” – é o tipo de frase que não pode ficar só no pensamento. A gente ainda tem muito a desenvolver nesse sentido. E não tenhamos vergonha de denunciar os agressores, na hora que acontece. Vamos conversar mais. Umas com as outras. E, juntas, fazermos algo por nós mesmas.
Não adianta pedir desculpa depois. Desculpa em excesso é muleta pra fazer merda. Quando você acerta uma pedra em alguém, você não cometeu um erro. Você acertou. Então, cuidado para onde mira quando vai jogar.
Por que tudo isso? Já percebeu como é mais fácil ter amigos quando você está na fossa? Religiosamente se prega o inverso – que os amigos verdadeiros você descobre quando fica mal. Não é isso, não, malandro. Quando você fica mal, os que já são seus amigos verdadeiros apoiam você e dão umas belas broncas necessárias. Paralelo a isso, outras pessoas usam o momento para se auto afirmar dando conselhos e sendo útil. Normal, faz parte do ser humano.
Agora, experimenta ficar feliz. É um tal de “tá se achando” de um lado, de conselho errado do outro… Que dá pra fazer uma feira. Freud diz que a mulher tem inveja do pênis do homem – longe de mim querer discutir psicanálise mas, né… Foi um homem que disse isso, o que já me deixa incrédula por esse simples não-lugar de discurso.
Outras conversas aqui em casa nos fazem discutir muito a origem da inveja em si e da maldade. O sri sri Prem Baba disse que a inveja vem justamente do fato de um ser humano não se encontrar no mundo. Quando ele não sabe onde está ou não tem autoconhecimento suficiente para entender do que faz parte, essa pessoa começa a criar conflitos externos, com outras pessoas – às vezes, sem até saber o porquê. Isso se dá pela vontade de estar no lugar do outro: a inveja ou o ciúme.
O Wikipedia também fala um pouco disso: “A inveja pode ser definida como o sentimento de frustração e rancor gerado perante uma vontade não realizada de possuir os atributos ou qualidades de um outro ser, pois aquele que deseja tais virtudes é incapaz de alcançá-la, seja pela incompetência e limitação física, seja pela intelectual”. Falando em pênis, a mesma Wikipedia conta que o pequeno grande Napoleão Bonaparte dizia que “a inveja é um atestado de inferioridade”.
Agora, mais do que a inveja, bom mesmo é aquele gostinho de ver alguém que estava muito bem se dando mal o suficiente pra você levantar a placa de “eu avisei”, certo? Não! Errado! Muito errado! Por mais que esses impulsos sejam inerentes até a macacos, por favor, não faça isso. Você tem polegar opositor e cérebro desenvolvido. Não reze para o amiguinho não conseguir aquilo que anseia. Pior que isso, não transforme sua inveja em maldade.
Não projete no colega as frustrações daquilo que você não tem. Nobreza, please. Abrace o outro e diga: “gostaria de estar no seu lugar, mas admiro o que conseguiu e fico feliz com isso”. Não é pecado você desejar algo que é do outro, mas tome consciência disso, aceite e lute pelo que é seu. Também não crie situações horríveis para validar o quanto seu amigo que está se dando bem é uma pessoa horrível. Ele não é. Você está sendo uma pessoa horrível por não ouvir o que ele tem a dizer, por não considerar o histórico de luta e conquista dele e por simplesmente não viver sua vida e deixar que o outro viva a dele em paz.
Uma reportagem da Superinteressante contou ainda que “as pessoas com maior propensão à inveja em nível patológico são aquelas que têm graves falhas ou lesões nos lobos frontais do cérebro, regiões responsáveis pelo reconhecimento das regras e pelo respeito aos outros”. RECONHECIMENTO DAS REGRAS E PELO RESPEITO AOS OUTROS. A parte boa da história? Use a energia de sua inveja para conquistar coisas melhores ao invés de prejudicar o colega. Todo mundo vibrando no amor – e literalmente no chakra do coração – torna o universo muito mais produtivo, traz paz e crescimento.
Precisamos falar sobre urgência. Mesmo. Em um momento onde só o modo avião pode salvar sua qualidade de vida, bom senso é primordial. Em 2013, meu avô/ padrinho/ segundo pai faleceu e pernotei o domingo para segunda no cemitério. De manhã, foi realizado o enterro e voltei para casa à tarde. Naquele mesmo dia, uma banda inteira estava ensaiando na minha casa para o show que faríamos dia seguinte, no Sesc. Era um evento importante e deixei minha urgência do luto de lado para trabalhar. Porque é isso que a necessidade faz.
Um amigo querido faleceu, em janeiro de 2017. Ele estava em dois empregos e virando noite. Em uma das voltas para casa, o coração não aguentou. Ele tinha minha idade e o choque foi grande. O descanso dele era urgente, mas ele abriu mão disso – porque é o que a necessidade faz.
Desses episódios para cá, decidi mudar meu posicionamento diante das pseudo-urgências e necessidades, pela minha saúde. De lá pra cá, recebo reclamações diárias de não atender ao telefone, que está sempre no silencioso. Se você acha exagero, vou explicar o porquê.
Trabalho com produção de conteúdo, leitura de tarô e divulgação. Isso exige que eu esteja 100% focada no trabalho para realizar uma entrega de qualidade. Fora Whatsapp, inbox e e-mail, meu telefone começa a tocar 8h – e assim segue de hora em hora. Entenda, eu não tenho condições físicas de realizar meu trabalho e fazer call center. É humanamente impossível. Fora isso, eu como, transo, faço cocô, participo de reuniões, vou a festas de família, eventos sociais… Como qualquer ser humano comum. E quando eu estou realizando qualquer uma dessas coisas, preciso e quero estar 100% ali. O “agora” é minha urgência, até porque eu me recuso a continuar tendo crises de ansiedade.
Vivemos em uma sociedade que leva a sério demais a questão do tempo real de interação e isso é doente. Isso vem nos adoecendo aos poucos e tirando da gente a motivação para estar aqui e agora sendo uma pessoa melhor no que estamos realizando, consciente do momento. Vejo cada vez mais textos cheios de erros sendo postados como notícias, cada vez mais fake news sendo disseminadas porque simplesmente “não há tempo” de questionar o que lê e mais pessoas frustradas – já que usam o “falar imediatamente” como ferramenta paliativa para sensação de produção e acabam projetando no outro as realizações que deveriam ser próprias. Traduzindo: falar o tempo todo com muita gente faz parecer que estamos produzindo algo, quando na verdade estamos apenas falando com um monte de gente. Paranoia também aumenta: “por que ele não me atende?”/ “se não falarmos agora, o trabalho todo vai dar errado” e por aí vai.
Entenda: uma vez que você confiou a mim o trabalho, eu sou a primeira pessoa a querer fazer dar certo. Confie. Acredite que o outro está desempenhando seu papel independente de prestar contas a cada segundo para você. Seja organizado o suficiente para conseguir traçar metas e status por e-mail e, quando houver dúvidas sobre como deve seguir, você sempre pode voltar ao histórico para relembrar o combinado e as datas. Também não precisa enviar cinco avisos em todas as redes sociais quando mandar um e-mail. Ele será respondido, com certeza, por ordem de prioridade.
Esteja 100% naquele momento e você nunca vai precisar perguntar dez vezes a mesma coisa, criar expectativas fora da realidade ou frustrar-se com o que só iria acontecer na sua cabeça e não rolou por motivos óbvios. Entenda que o tempo não muda para satisfazer suas vontades e as pessoas não são obrigadas a estar 24 horas à sua disposição, porque elas possuem rotinas, vidas próprias e maneiras de executar as coisas diferentes das suas. Aceite, respire e evite estresse. O resultado é mais importante que o processo.
Há um ano, lançamos o clipe de “Desencadeou”, do Lucas Adon, e a MTV gostou – mas precisava do ANCINE. O registro deve ser feito por produtoras com cadastros específicos que eu não tinha. Começou ali a saga pela documentação, com auxílio de amigos que o fizeram pela simples vontade de ver dar certo. Pra mim, aquilo era urgente. Mas não era, estava longe disso. E eu soube respirar. Valeu a pena. Esperamos e a estreia está marcada para este domingo, dia 06 de maio, às 9h. Entenda: não importa o tamanho do sonho e o que aquilo representa para você. Respeitar o tempo das coisas e o espaço das outras pessoas é primordial e traz bons resultados. Por isso, quando quiser ligar, pergunte a si mesmo: é urgente de verdade?
Quando aprendermos o que os grandes gurus da história quiseram dizer com “estar presente”, nosso pequeno mundo será muito menos transtornado e nossa consciência estará muito mais clarificada. Pratiquemos.
Como diria o querido amigo Borbs, do Judão, “olá, amiguinhos!”. Foi um mês bastante maluco e não sobrou tempo para respirar. Postar virou luxo, por isso o silêncio de 30 dias. Porém, voltamos com força total e a renovação de quem entrou para uma nova fase cheia de amor. Aos pouquinhos, vou contando aqui todas as novidades que nortearam essas semanas sem dar as caras.
Mas quero começar – obviamente – com música! Ministrei, pela primeira vez na vida, um curso. Não foi palestra ou encontro, foi aulinha mesmo, com todo aquele material didático e tal. Falei bastante sobre marketing musical, produção e gerenciamento (inclusive, estou devendo o material revisado para os alunos. Prometo pagar em breve). Tudo aconteceu na Casa Vulva, um espaço novo em Pinheiros onde acontecem eventos incríveis, indo de shows a oficinas, e tudo feito com muito amor pela Denise e a Rafaela. Fica a dica para quem estiver à procura de uma programação rica, engajada e empoderada na cidade.
Não faltaram também lançamentos para dar conta por aqui. Primeiro, rolou este do Tunna, um duo carioca/paraense/paulistano cheio de sofrência sintetizada. Vale a pena dar o play!
Além disso, meu namorado – que se tornou marido nesse meio tempo – e eu lançamos nossa primeira música juntos, em versão acústica para a websérie Peixe Barrigudo. “Só Carolina Não Viu” é também a primeira vez que uma coisa minha vai a público nesse formato e eu estava meio sem saber onde enfiar a cara. Escrevi essa poesia para ele em 2016, que musicou enquanto estava me esperando na Itália (romântico, amigos). Se gostarem, aproveitem para clicar aqui e ver outras faixas inéditas que vão estar no disco novo deste homem maravilhoso chamado Lucas Adon.
Por fim, mas não menos importante, a Cris Rangel me procurou para falar dessa série especial LINDA que fez com o Elefante Sessions e o Orgânico Estúdio. Além dela, atendendo pela alcunha Rangel, Amanda Mittz e Netão mostraram seu talento em três vídeos cada um, sendo o terceiro sempre uma versão maravilhosa de um artista já conhecido da galera. É sempre uma alegria e satisfação muito grande encontrar esses novos artistas que fazem música boa e de qualidade por aí, na raça. Dá o play!
E tem mais! Sexta-feira agora, o santista Nadal estreia seu novo single em todas as plataformas digitais, intitulado “Come Back Home”. Além dele, Negu Edmundo mostra o som “Música de Preto”, primeira faixa inédita do disco novo que está chegando com participações que vão de Guilherme Arantes a Toca Ogan (Nação Zumbi). Aguardem mais informações aqui mesmo no Descasco, em breve.
Entendeu o sumiço? Mas estamos de volta, ao infinito e além! Viva a boa música.
Tem sido tudo muito duro, difícil de agir, reagir, lutar. Em 2013, quando o movimento legítimo Passe Livre foi às ruas pelos 20 centavos, o protesto foi utilizado como massa de manobra e acabou se tornando uma micareta de milhões que achavam que estavam a promover qualquer mudança no país e acabaram pedindo um impeachment claramente arquitetado como golpe. Eu falo claramente porque tem provas, há conversas gravadas… Tudo! Tudo e mais um pouco. E o Temer continua lá.
Ontem, antes da morte da Marielle, eu li a entrevista que o Nem da Rocinha deu para o El Pais e eu quis chorar. O rei do tráfico manja mais de história e política que todos nós juntos. Óbvio! Ele liderava o tráfico e não tem movimento mais político que esse. Uma leitura longa que vale muito a pena, clique aqui.
Leituras longas têm nos faltado. Eu não estou falando de textão de Facebook. E também não estou falando só de jornal. Estou falando de perceber as nuances – como a mesma notícia é abordada em cada veículo, como o Lula é colocado sempre em voz ativa nas denúncias do triplex, enquanto o Aécio é voz passiva no helicóptero de cocaína. É juiz fazendo greve para manter o auxílio-moradia e pobre conservador gritando contra o Bolsa-Família. Percebe como está tudo invertido?
Mas, sabe por que faltam leituras longas? Porque somos um país onde ser alfabetizado é saber escrever o próprio nome. A maioria das pessoas não consegue interpretar um parágrafo de Robinson Crusoe. O próprio Nem da Rocinha sabe a importância de educar sem armas. A Marielle também sabia e lutava por isso. Lutava por coisas até mais simples e básicas quando você fala de direitos do ser humano e que simplesmente não são levadas a sério.
Ela não ia apenas para a rua. Ela era uma mulher negra metendo as caras e dizendo que aquilo estava errado. Ela virou vereadora. Ela denunciava as mortes causadas pela polícia militar. Ela conseguiu se tornar relatora da comissão que acompanharia a intervenção. Ela morreu a tiros. Sou de Santo André e gosto de frisar sempre que o Celso Daniel foi o prefeito que melhorou a cidade. Ele foi sequestrado em São Paulo, encontrado morto com 11 tiros e jogado numa estrada qualquer.
Vocês viram a esposa do vice-presidente de jornalismo da Record, que só era encontrada no Instagram? Destaquei o fato de ela ser casada com o cara porque ele lidera justamente uma mídia importante que deveria ser uma das nossas portas de acesso às verdades do país. Bem, Raissa Caroline Lima Tavolaro passou todo o tempo do que deveria ser o expediente dela na Assembleia Legislativa gastando o salário pago com dinheiro público em viagens pelo mundo todo e tirando foto com crianças pobres na África, sensibilizada. Moça, sobe o morro por aqui também.
Aliás, subamos todos o morro. Sejamos mais Marielles, que cobram no lugar certo e do jeito certo o que precisa ser feito. Por menos saídas do vão do MASP e mais invasões da Câmara. Se vamos ter que sair sangrando de lá para sermos ouvidos, que sejamos. A gente já está dando o sangue todos os dias por um país que invalida nosso voto e nos mantém escravos de um sistema trabalhista que nos faz sonhar com a mudança de classe, mas que – nem no mais perfeito dos mundos – vai nos permitir subir escala na pirâmide. Se você subir, quem vai ser a base que sustenta o topo?
Nosso país está sendo tomado por golpe, militares e homicídio descarado. E a gente não está fazendo nada. A gente está brigando um com o outro, tentando dizer que minha luta importa mais que a sua. Mas não importa. Elas são o “pão e circo” que o topo da pirâmide precisa para continuar onde está. Estão nos distraindo e não estamos percebendo. Não basta ir pra rua, postar no Instagram e sair na foto do jornal. É preciso quebrar – os conceitos, os preconceitos, os bancos, a cara, o sistema. Quanto você paga para sobreviver no medo? Quanto você paga para morrer a cada dia por ser quem é? Qual o preço? Você tem esse dinheiro? Eu não.
É muito clara a maneira como a ansiedade atingiu meu corpo a curto e médio prazos. Eu engordei bastante na época (não tem problema algum ser gorda, só percebi que foi uma alteração grande em pouco tempo). E não porque comia demais – pelo contrário! Às vezes, a dor de estômago e os enjoos não me permitiam comer tanto quanto eu gostaria. Acontece que os processos ansiosos liberam cortisol. E ele incha.
Tem também o fato de consumir mais álcool, já que a sobriedade exigia encarar o mundo de frente e a realidade não era legal. Li que a ansiedade baixa o sistema imunológico, deixando a pessoa mais propícia a infecções, além de afetar o sistema respiratório. Não à toa, tive pneumonia e, após passar por determinados eventos, precisei começar a carregar comigo uma bombinha pra segurar a asma.
Desenvolvi dois pólipos no endométrio e um mioma uterino – todos benignos e com tratamento. Porém, também lendo sobre somatização, esse tipo de questão pode se desenvolver quando você tem dificuldades em mostrar quem você é. Quando li isso… E os psicólogos e suas linhas diferentes me corrijam se eu estiver apenas dando uma significância pra situação… Mas foi quando eu li isso que parei para pensar o que eu fiz esse tempo todo. Quanto tempo me escondi, abaixei a cabeça e deixei todos os sapos engolidos virarem a tal da ansiedade.
E o que ela faz com a gente muitas vezes pode ser confundido com frescura. Entenda: eu era a criança que ia com febre pro colégio, porque não falava que estava passando mal. Fiz minha mãe me levar com caxumba, na quarta série, pra professora me dizer que, caso eu ficasse na sala de aula, ia transmitir a doença para os amiguinhos. Foi aí que resolvi que tudo bem ir embora.
Não, nunca foi frescura. As crises de choro durante o expediente, o isolamento excessivo, o ataque de desespero quando o telefone tocava, os socos na parede, as garrafas jogadas no terreno vizinho, dormir até o mais tarde possível para não ter que encarar as pessoas… Nada disso era frescura. E tudo isso era velado. Foi assim durante alguns anos. Porque também existe culpa. Eu me sentia culpada em ter raiva dos fatores externos que me faziam sentir tudo isso e dos internos que não permitiam me posicionar em relação a isso. Olhar pra dentro da gente é um dos processos mais doloridos que podemos provar. Porque tem sombra, tem muita sombra. Aceitar a sombra e conviver com ela é uma reconstrução de tudo que você acreditou que era até então.
“Toma meu corpo, meus pensamentos leva” – é um verso lindo da Alice Caymmi, de uma bela canção de amor. Mas eu poderia estar cantando para a ansiedade. Era simples assim. Tive momentos de travar completamente, a ponto de só conseguir tomar banho. Eu lembro daquele dia. Ficava horas olhando para o computador e pensava: “preciso tomar um banho”. Mas eu lembrava que já tinha tomado e pensava: “não! Preciso terminar isso aqui”. Mas não funcionava. Passei um dia inteiro nesse ciclo sem fim.
O que me salvou? Terapia, Kriya (processos respiratórios com meditação e yoga), amor-próprio e apoio de quem eu amo. Curou completamente? Não. Ainda há resquícios que, em momentos de maior vulnerabilidade, resolvem vir à tona. Mas, hoje, eu sei detectar quando isso está acontecendo, posso acolher a mim mesma e entender meus limites. E não tenho mais medo de compartilhar a situação com as pessoas e pedir ajuda. Passa logo. Porque agora eu sei que não é maior que eu.
Se você sente algo parecido, apenas saiba que não está sozinhx. E se você não sente, entenda que não é frescura. É algo muito pesado para quem passa e que atrapalha todo o resto. Não julgue. Aliás, não julgue qualquer pessoa, nunca, por qualquer razão. Você não tem ideia do vulcão que é por dentro. Se puder, dê um abraço. Isso pode realmente fazer a diferença.
É sempre complicado falar de um trabalho que você respirou e respira. “Um toque na liberdade já te faz voar” é um dos versos mais importantes na trajetória de Leo Middea. Foi ali, no disco “Dois”, que ele percebeu o potencial de sua música e o caminho que ainda precisava trilhar. O cantor passou três meses na Argentina, sem saber como ia pagar as contas no dia seguinte – mas sempre surgia um show que bancava mais um dia. “Só por hoje, vou viver de música”. Ainda bem.
Depois, a ponte Rio-São Paulo acabou se tornando mais comum e intensa do que ele imaginava. Das muitas experiências, saiu o disco de quem sabe que o mundo é seu. “A Dança Do Mundo” trouxe uma maturidade musical inigualável em relação ao Leo do passado. Ficou claro o quanto ele estava se encontrando, soltando a voz e tomando conta do poder pessoal. Foram dez dias em silêncio na Índia que antecederam a estreia do novo trabalho, exatamente no mesmo dia do golpe de 2016. Fato é que a data limitou algumas ações, mas a garra era maior e o pequeno grande labrador desajeitado de cabelos a la Caê ganhou. Ganhou mesmo – espaço, mídia, público.
Um dia, sem pestanejar, ele mandou uma mensagem: “vou morar em Portugal”. E foi. Foi dançar pelo mundo. Foi lá que ele fechou os olhos de fora. Percebeu quem é de verdade e seguiu. Hoje, faz shows pelo país, pela Espanha e há rumores que a Itália não perde por esperar. Vôa, Leo!
Entre comer e dormir, o que importa mais?
Comer, de fato. Sou um bom taurino.
E entre comer, dormir e tocar?
Comer. Brincadeira rs. Dentre essas três, com certeza tocar é o que mais me alimenta.
Quantas músicas você compõe por semana?
Depende de diversos fatores, mas normalmente um média geral de três composições por semana. Isso não quer dizer que eu goste de todas, mas eu gosto de pegar o violão e criar uma canção, seja ela boa ao meu agrado ou não.
O que Portugal te trouxe?
Tudo o que eu não tinha. Isso signifca desde a questão mais emocional, como uma força para lidar com todas as situações que viver no estrangeiro sem conhecer uma pessoa nos proporciona, quanto questões mais práticas como aprender a cozinhar e ser realmente independente.
Quando você começou a usar sapatos fechados?
Exatamente neste frio lusitano. Tive que comprar sapatos, pois eu não tinha o hábito de usar e os que eu tinha já estavam sem condições de ser usados.
O que a música representa para o Leo que ninguém conhece?
Vida. Ela para mim é um ato de amor, é uma soma de duas coisas que mais gosto. Ouvir/tocar música e viajar. Gosto da sensação de não pertencer a nenhum lado e gosto da sensação de poder contar para os outros – em forma de arte – fotografias da minha vida ou o que eu interpreto de uma situação cotidiana.
O que você ainda tem da criança encapetada que foi um dia?
Ansiedade e teimosia.
Quando você ficou tão calmo?
Ficar tão calmo é relativo, pois por dentro pareço que vou explodir rs. Na verdade, em 2012, conheci duas pessoas que me apresentaram um mestre espiritual e, a partir desse mestre, conheci a fundo o poder da yoga e meditação. Desde então, a partir dessas duas coisas eu consigo lidar melhor com tudo a minha volta. Sendo assim, eu diria que a partir de 2012 eu fiquei “mais calmo”. rs
O que a Índia trouxe para sua música?
Poder expressar também o que se passa dentro de mim e das interpretações à minha volta. Antes, eu tinha mais facilidade em dizer só sobre uma pessoa específica, com quem eu tive alguma espécie de relação, ou não. Hoje, a partir de toda prática e vivência que os conhecimentos da Índia me permitiram, o autoconhecimento virou parte da minha rotina e consigo navegar melhor dentro de mim, escrevendo não só sobre os amores, mas o que eu sou e vejo além de uma relação.
São Paulo e Rio de Janeiro. Como essas cidades construíram e desconstruíram sua vida musical?
O Rio é minha cidade natal, foi onde construi a base das minhas canções, foi onde aprendi a tocar violão e contar para as pessoas sobre os meus primeiros versos. Já São Paulo… Parece que eu tinha entrado já dentro do jogo, conheci compositores/músicos/cantores maravilhosos(sas) e, com certeza, cresci junto com essas pessoas. Conhecer a nova geração da galera da nova MPB que estava sendo moldada em São Paulo me deu uma visão mais ampla sobre o ato de fazer música.
Quem era o Leo apaixonado de “Dois”?
Uma pessoa cheia de sonhos.
Quem era o Leo expansivo de “A Dança Do Mundo”?
Uma pessoa cheia de intuição.
Qual o próximo Leo que a gente pode esperar?
Uma pessoa cheia de amor.
Qual melhor show que você já fez?
Pergunta difícil essa. Eu tenho alguns nos meus favoritos, mas o mais recente que eu fiz foi um dos mais especiais. Fiz em Lisboa, em uma casa chamada Bartô. Cabem 85 pessoas e estavam cerca de 200 (30 pessoas não puderam entrar). A sensação que aconteceu naquele noite foi inexplicável e aquele show está reverberando dentro de mim até hoje.
Como é tocar para duas pessoas?
Tocar para duas pessoas, na época, foi uma sensação boa. Isso foi em São Paulo, na primeira vez que fui a cidade. Não me importava a quantidade naquele momento e sim eu ter ido para uma cidade diferente da minha e ter duas pessoas cantando as músicas. Vi minha música sair da minha cidade e ir para uma outra, foi uma clara visão de transição.
Como é tocar para casa cheia, deixando gente pra fora?
É como se fosse uma declaração do universo dizendo que é possível viver do que eu amo.
Café ou vinho?
Café e vinho.
Acelerar ou desacelerar?
Acelerar quando tiver desacelerado e desacelerar quando tiver demasiado acelerado.
Saber respirar. Que diferenças isso fez na sua vida?
Conhecer como o corpo reage a cada emoção e a partir daí mudar o quadro ou só deixar fluir.
Queremos música nova lançada. Vai rolar? Quando?
Já tenho um terceiro disco pronto em questão de composições, mas o processo de gravação e etc… Eu não sei quando seria o melhor momento para tal coisa. Por enquanto quero que “A Dança do Mundo” chegue para mais pessoas e estarei me dedicando neste ano de 2018 para isso. Quem sabe em 2019 seria o melhor momento?
“Eu estou na faixa”. Foi o que eu gritei logo cedo, muito alto, no meio da rua, dois segundos depois de ouvir um “sai da frente, fia” enquanto atravessava no lugar certo, na hora certa, da maneira correta. Eu estou na porra da faixa. Eu estive a vida toda e nunca gritei isso alto. Sempre aceitei que “meu cabelo era ruim”, porque parecia uma piada inocente. Nunca falei alto que não era. Ao contrário disso, usei a mesma piada contra mim mesma algumas vezes, me rebaixando diante de outras pessoas.
Eu não gritei a primeira vez que fui assediada em um emprego. Eu estava naquela sala, com meus poucos 21 anos, cheia de diretores. Totalmente assustada e anotando cada palavra da reunião. Até que veio a bomba: “se você continuar sendo boazinha, vou por no seu rabo”. Eu ri. Ri de nervoso. Ou só porque estava acostumada a rir toda vez que era depreciada. Eu não gritei quando ouvi “tenho nojo de você”. Eu não gritei. E eu só estava atravessando na faixa.
Quantas vezes a gente vai precisar guardar a dor de estômago por medo, choque ou só porque acostumou a ser assim? Quantos assédios serão necessários até que você acorde e durma querendo vomitar tudo aquilo que não desinstalou em 31 anos de existência? Quantos berros guardados serão somatizados em cada uma de nossas células até que a gente entenda que gênero, cor e classe não são determinantes de caráter?
Quantos sorrisos amarelos por não saber o que fazer estão por vir? Parem de dizer para suas meninas se comportarem como mocinhas, não falarem palavrão, não rirem alto. Não permitam que elas acreditem que “homem é assim mesmo”. Não as façam sonhar com um tipo de príncipe encantado que nada mais é do que a projeção de tudo que um pai deveria ter sido e não foi, e não necessariamente um bom parceiro para dividir a vida.
Pare de acreditar que dar flores e feliz Dia da Mulher é ok e que tudo que questionar essa tradição é puro “mimimi”. Preste atenção às máximas que repete por aí sem nem parar para pensar, só porque aprendeu que é assim. Eu sei, não é fácil! Todo dia, aprendo uma coisa nova, desconstruo um pedacinho dentro de mim e tomo poder da minha liberdade. Minha, sim! Porque eu tenho conquistado há anos, a cada passo, a cada “não” que reforcei ser um “não”.
E você: toda vez que estiver atravessando na faixa e alguém mandar sair da frente, grite!
Este dia chegou! O livro que eu escrevi – Lições Empresariais de Game Of Thrones (editora Escala) – virou meme e saiu no Buzzfeed. Ok, num contexto “passar vergonha” que não era exatamente o objetivo. Mas ganhou mídia espontânea em um dos sites com maior engajamento nesta eterna 3ª série C chamada internet brasileira.
Isso me fez pensar que o sucesso está finalmente chegando. Não ria, é sério! Sempre ouvi dizer que você está ficando grande quando ganha haters. Ainda não cheguei nesse patamar, mas já rolou um bullying, ou seja, estou subindo a escada.
Piadas à parte, acho importante falarmos sobre conteúdo e seres humanos. Uma vez, quando eu não media muito as palavras, postei uma foto de um cara com barriga d’água e fiz uma piada. Logo eu apaguei. Parei pra pensar e percebi o quanto eu poderia estar prejudicando alguém. Uma amiga muito querida fez um post-desabafo certa vez e apagou em seguida, orientada pela mãe. A internet não perdoou e incluiu o print em um texto sério de acusações de assédio. Ela ainda está digerindo e lidando com essa situação.
Eu trabalho desde os 15 anos e meu primeiro emprego incluía cinco aulas de ballet por semana para ganhar R$ 200,00 por mês. Escrevo desde os 10. Tenho algumas coisas guardadas esperando dinheiro para serem publicadas. Um dia, a editora Escala chegou para mim e encomendou esse trabalho – do qual me orgulhei bastante quando vi o resultado final. Tive um mês para escrever, sob efeito de uma pneumonia atípica. Já parou pra pensar como é você se dedicar tanto a algo que acredita e alguém querer rebaixar o que você fez com uma frase?
É óbvio que o primeiro impacto, quando chegou a mim o post na Fanpage Empreendedor Nem É Gente, foi de frustração. Mas, em seguida, entendi que a piada era válida – colocando-me como terceira pessoa na situação, eu ri do que estava ali. Porque é vida que segue e precisamos aprender a não nos levarmos tão a sério.
O que quero dizer é que é preciso ter cuidado com o que você lê, compartilha, escreve. Uma vez disseminado por aí, pode construir ou destruir a carreira de alguém. Vi aqueles hotéis que tornaram expostos os pedidos de influenciadores de uma maneira totalmente desnecessária e acabaram ridicularizando pessoas que não fizeram nada além de oferecer uma permuta – você aceita se quiser e não precisa xingar ninguém por isso.
Recebo propostas diárias de trabalho por portfólio e não estou expondo as pessoas que me pedem – eu topo ou não e essa decisão é somente minha, quem propôs segue em frente, simples assim. Pequenos cuidados são essenciais. Entender que há seres humanos do outro lado da tela. Que lutaram muitos anos, estudaram a custos que ninguém imagina, não foram criados a mamão papaia e que não estão prejudicando a vida de ninguém. A criação de conteúdo digital implica ética, competência e noção de consequências. Chegou-se num ponto que todo mundo se acha no direito de falar o que quiser sem ao menos buscar referências ou entender o que é que está dizendo.
Minha família toda é da roça. Eu cresci em roda de viola e a música sertaneja tem um contexto importante pra mim, mesmo que hoje eu busque outros sons pra ouvir. É uma questão cultural mesmo, que fez e faz parte da minha formação como um todo. Por isso, toda vez que alguém torce o nariz para o sertanejo, eu questiono o porquê. Geralmente, a pessoa repete frases prontas que não querem dizer nada e eu sempre pergunto: “mas você consegue entender o que esse estilo realmente representa?”. É a mesma coisa do funk, do pagode… Escolha sua década e eu te direi qual foi o estilo que sofreu bullying. Em suma: você só pode analisar aquilo que conhece e, mesmo assim, considerando as variáveis.
A questão é: cuidado. Pessoas lutam anos para construir uma vida, uma carreira e conquistar um lugar no mundo. Não seja essa pessoa que destrói outra com uma frase.
Entre os abacaxis que eu descasco por aí estão vídeos cheios de amor. A imagem é não apenas um belo cartão de visitas para o artista, como também faz sentido quando o assunto é engajamento. Se você cria um conteúdo em vídeo no Facebook, por exemplo, ele faz com que seu post apareça mais vezes na timeline do que outros apenas com texto ou foto. Se for link externo então, pior ainda – por isso, sempre melhor colocar algo orgânico na plataforma.
Outra curiosidade é que os brasileiros ainda usam o Youtube como principal plataforma de streaming para ouvir música. Não à toa, a galera de lá está pensando em criar um concorrente para o Spotify e afins este ano, chamado até o momento de Remix. #FicaDica
Entendeu agora porque tantas webséries, clipes e lives te mandando notificações o tempo todo? Listei aqui alguns clipes que valem a pena conferir – além de boa música, roteiros e produções pensadas com todo aquele carinho de quem ama e respira arte.
O primeiro é “Tem, Mas Tá Em Falta”, do Lucas Adon, uma produção #DescascoAbacaxi com direção do Nicolas Vargas. Fresquinho, ele saiu agora pouco pelo Brasileiríssimos e mostra a personagem principal vivendo o luto de uma perda, enquanto seu inconsciente se enche de vida e a convida para dançar as cores de um recomeço. Dá o play!
Já Janaina, do querido Tiago Rubens – que saiu de Porto Alegre para ganhar a Espanha – é uma delicada oferenda a Iemanjá e saiu no último dia 02, em homenagem à rainha do mar. Odoyá!
Tem alguns que saíram faz um tempinho. Mas são produções tão mara que merecem ser lembradas. “Ciranda” já é um clássico do Leo Middea.
“Não Espero Mais”, do Terno, é simplesmente uma lição de produção e roteiro.
Poesia e dança é resumo de “Dentro Desse Ser”, da Marina Decourt – que fez a captação de imagens do primeiro clipe deste post. ❤ #famiglia
“Desaviso”, da Thamires Tannous, foi uma produção dessa Sra. Abacaxi que vos fala. É daqueles que escorrem uma lagriminha de amor, sabe?
E já que falamos de artistas multi-funções, Victor Cavalcanti é um exemplo especial. O cara não fez apenas vídeos incríveis do seu som autoral, como chegou a dirigir campanhas de artistas como Claudia Leitte e criou este belo minidoc narrando o caos de quem resolve se desconstruir em meio ao furacão da depressão.
Não é segredo pra ninguém que sou loucamente apaixonada pelo Lucas Adon. E, por isso, cada realização dele é minha também. Essa última semana, fez exatamente um ano que começamos a trabalhar juntos nas nuances que, aos poucos, vão dando forma ao novo disco – “Do Luto à Luta” – a ser lançado este semestre.
Como ele também é psicólogo de pessoas em situação de rua, essas duas palavras têm um significado muito forte. O luto e suas cinco fases são traduzidas em cinco canções que vão da negação à aceitação de uma grande perda. A luta traz faixas daquele momento que que você toma consciência do agora, da vida como ela é, e vai pra rua fazer alguma diferença.
Há exatamente um ano, a música “Se Não Fosse Você” ganhava uma versão em vídeo lá no Brasileiríssimos. Por que foi tão especial? A gente já dizia para ele o quanto era linda a canção e, um belo dia, enquanto andávamos de gôndola por Veneza (phynos), resolvemos gravar. No dia do Brasileiríssimos, ele também apresentou a faixa lá na TV Band e foi uma alegria só. Logo, veio a versão oficial com violino e acordeon – e que é possível ouvir em todas as plataformas.
Depois, veio “Desencadeou” com clipe e “Tem, Mas Tá em Falta“, que vai ter vídeo no próximo dia 05 de fevereiro e novamente em primeira mão nos parceiros do Brasileiríssimos.
O que significou exatamente lançar uma música nova e começar a pensar um disco novo? Embora possa soar determinista, foi a ponta da agulha da bússola.
Como é levar três projetos culturais ao mesmo tempo? [Lucas Adon solo; a banda de rock Imigrantes Italianos do Século XXI – que toca na FM e está com vários shows por vir; e Pá-Pum – projeto infantil com o pai, Paulo Afonso Tchê, que vai ganhar forma de websérie logo menos] É tentar me sentir completo na diversidade das minhas nuances. O infantil, o solo e o com a banda. São muitas as coisas a se dizer e muitas as formas.
Isso sem contar o trampo de oito horas por dia. Como faz? [Psicólogo da UBS da Mooca] Me desdobro e acabo fazendo pouco em cada um, por isso talvez todos andem apenas um pouquinho por vez.
Existe música sem conflito? Não existe movimento sem atrito.
Existe dor sem música? Definitivamente não, porque todo barulho pode ser interpretado como música. E só não existe dor no silêncio.
Sobre o luto: qual o real significado das perdas pra você? Combustível determinante da existência. O que não mata, engorda.
Se o copo estivesse meio cheio, o que as perdas trazem? Você quer dizer quando o copo está meio cheio e isso representa a perda? Porque a perda está no foco… Já que, quando se perde algo, ganha-se outro algo.
Sobre a luta: como é acordar todos os dias para lidar com os maiores medos e perrengues das pessoas que vivem em situação de rua? Desafiador. São pessoas tentando sobreviver ao sistema como as outras, mas na ponta mais fraca. O desafio é trabalhar autonomia de um grupo de pessoas que não tem dinheiro num sistema massacrante.
Quanta poesia existe nisso? Existe poesia em tudo.
Como é precisar estar no sistema para poder lutar contra ele? Implodi-lo sempre foi uma estratégia pensada. Mas é apenas mais uma das frentes de batalha.
Qual seu maior conflito? Me vender no equilíbrio da sobrevivência sem perder a essência. Lutar sem perder a ternura.
E como viver entre conflitos sem pirar? Respirar e saber o quão necessário é viver o que se consegue incluindo os conflitos. Está acontecendo agora. Saber não vai alterar tanto a realidade assim a não ser que você faça algo para mudar.
Você já tentou ser normal? Eu sou normal. Foda-se o normal rs
O que você espera da sua música? Libertação.
[Liberdade LTDA é o nome do primeiro disco do cantor, lançado em 2015 e que pode ser ouvido clicando aqui. A capa do disco é uma foto real ocorrida na manifestação Passe Livre].
Ver quem a gente ama crescer é lindo. Dá vontade de cuidar e, ao mesmo tempo, de dizer: só vai! A Geo é um desses nenéns. Ela chegou de mansinho na minha vida, quando começamos a trabalhar juntas em uma agência de comunicação. Toda diferentona. Apaixonei. Não demorou muito para ver aqueles primeiros covers de Britney e Amy que ela divulgava vez ou outra.
“Ah, você é cantora?”
“Não, sou estagiária de jornalismo… Mas tenho umas músicas.”
“Poxa, tenho uma data de show, quer fazer?”
“Ah, quero sim.”
Sim, ela já era cantora. Apenas não sabia disso. Mas é um mulherão da porra e não demorou muito para descobrir que tudo que precisava estava dentro dela. Uniu os conhecimentos de comunicação, os estudos de marketing musical e o talento que sobra e colocou voz, corpo e cabeça no mundo.
Dos relacionamentos complexos tirou inspiração. Das dificuldades da área, tomou coragem. E do desafio chamado SP-Santos, fez um disco. “Ah, um EP”. Não, mana. Um puta disco. Num formato menor. E daí? Cada música vem com o peso de quem encontrou na arte e no poder pessoal seu próprio “Salva-Vidas”. Cada arranjo vem com a dosagem certa de quem aprendeu que tudo tem seu tempo. E o sucesso está chegando – parece de uma vez, mas não é. Teve muito suor sim. Um processo bizarro de auto-conhecimento. E muita, mas muita vontade.
Como foi a primeira que você pegou num violão? Numa viagem em Juquehy! Era de um amigo do meu pai e fiquei lá tentando fazer algum som sem muito sucesso haha
E a primeira vez que você pegou num violão pra galera ouvir?
Foi na época da escola, uns 13 anos. Eu fazia quase todos os trabalhos em forma de música com uns amigos meus que tocavam baixo e bateria.
Qual a sensação de ouvir uma galera cantando a sua letra? Eu sinto que minhas experiências individuais viram coletivas, tendo um significado próprio pra cada pessoa. Me lembra que sou humana. É lindo demais.
Ficar entre as mais ouvidas do Spotify significa/ significou o que exatamente? Foi uma vitória muito pessoal. O número em si não importa tanto, mas foi por causa dele que comecei a entender que existem pessoas pelo Brasil inteiro querendo ouvir o que eu tenho pra dizer.
Seu disco é um tiro. Sei que você não curte focar isso… Mas, pow!Ele conversa diretamente com as mulheres e a maneira como elas se relacionam. O processo de construção dele doeu? Por quê? O processo desse EP foi de cura e, às vezes, ela dói mesmo. São cinco faixas que não contam sobre uma grande paixão e nem sobre o processo do término: é sobre o depois. É sobre entender o que fizeram com você, como voltar a se amar depois de tudo e não deixar ciclos se repetirem.
Como é ligar o foda-se para todos os padrões que disseram que você tinha que seguir? É uma liberdade que eu não sabia que existia. A necessidade de seguir padrões de gênero, de beleza e de “som comercial” sempre me freiaram na hora de lançar meu trabalho autoral. Agora, isso não existe mais! Hahaha
O que te fez continuar na música, mesmo na hora do perrengue? O apoio de todos os fãs e sentir que, apesar de tanto trampo lindo de várias minas maravilhosas, ainda há uma lacuna gigantesca de artistas mulheres na cena.
O que te faz continuar todo dia, mesmo na hora do perrengue?Saber que existem pessoas incríveis do meu lado, me apoiando. Meus amigos, minha família, as pessoas com quem eu trabalho. Eu confio muito na minha intuição e hoje eu só me deixo ser cercada se for de amor.
Sucesso, fama, futuro… O que tudo isso quer dizer pra você?Sucesso pra mim é algo que eu sinto toda vez que uma pessoa pede uma foto, toda vez que vejo meus números no Spotify, toda vez que escrevo algo novo. Eu não gosto do conceito todo da “grande fama”. Quero atingir com minha música só quem estiver disposto a ouvir o que tenho pra dizer. Não me importa se vai ser pro Brasil inteiro ou pra um show de 100 pessoas no centro de SP. Sobre o futuro: ele é brilhante e ele é tudo que eu quiser que ele seja. Ainda existem muitos trabalhos e histórias a serem contadas.
Como é ser libriana?
Eu simplesmente amo ser libriana.
Como é ser a maior doçura de pessoa, cheia de amor e inseguranças e, ao mesmo tempo, conseguir passar toda essa força que motiva a gente só de olhar?
Eu tento muito ser a pessoa que eu precisava quando era mais nova. Eu queria tanto alguém pra me dar forças, que não pensei que podia vir de mim mesma. Hoje, eu fico muito feliz de ser inspiração pra muita gente, especialmente mulheres. É quase freudiano! Hahaha
O que você diria para mulheres que ainda sofrem (por amor, por baixa autoestima, por tudo que poderia ter dado certo e não deu)?
Vai ficar tudo bem. Existe muita força dentro de você, você só não sabe ainda. Confie na sua intuição, nunca leve desaforo pra casa e nem se cale em situações de opressão.
O Nícolas Vargas é um cara que me contratou, nos primórdios de 2008, para trabalhar na famigerada MTV. Ele virou um tipo de mentor das palavras e de um novo “way of life”. Esses dias, escreveu sua primeira (e maravilhosa) coluna do ano para o Judão, que você pode ler clicando aqui, falando sobre a necessidade em fazer silêncio, ficar só.
Antes de começar este texto, eu estava partindo para o terceiro parágrafo de um assunto delicado chamado machismo velado. Porém, travei. Entre os sons da natureza que coloquei no ouvido para conseguir trabalhar e o barulho único de teclas batendo em torno de mim, percebi que eu estava em silêncio.
Já percebeu como o silêncio faz barulho na cabeça? Às vezes, chega a ser insuportável ficar só com os próprios pensamentos, porque eles trabalham na velocidade da luz e mexem com a balança que vai da culpa à ansiedade sem sequer perguntar se podem. E nesse desequilíbrio inconsciente, falta o agora. Falta perceber que tem um passarinho fazendo um som bem ao fundo, que o ar condicionado está frio demais e que outras cabeças em voltas podem estar tão confusas quanto a sua.
Falta consciência – no sentido mais puramente meditativo que ela representa: estar 100% no momento. E foi nessa tentativa de estar no aqui e no agora a maior parte do tempo possível que eu detectei coisas incríveis: é o tipo de coisa que me deixa produtiva. Consigo focar melhor meu trabalho, além de ficar mais disposta a resolver os perrengues. A energia dos outros, estando perto ou longe, influenciam a minha somente porque eu permito. Existem pessoas tóxicas. Existem pessoas lindas. O sorriso dele é uma das coisas mais incríveis que já vi.
E tudo isso levou a uma guinada, uma mudança importante na maneira de lidar com pessoas e com as atividades diárias. Por isso, gostaria de compartilhar dicas preciosas que me fazem bem e acredito que possam fazer bem a você também.
1. Posicione-se. Literalmente. Arrume sua postura, olhe as pessoas nos olhos e, por mais inseguro que esteja, mantenha o peito aberto. A posição de liderança praticada por pelo menos dois minutos diários ajuda a diminuir o cortisol (hormônio que vai te deixando tristinho) e aumentar o testosterona (hormônio que vai te deixando empoderado).
2. Vá ao médico. Sério. Desmaio com agulha, passo mal em hospital. Mas tive problemas e descobri que tenho dois “nenéns” no endométrio já deve fazer uns três aninhos – e que precisam ser retirados o quanto antes. O corpo é quem age por você, cuide bem dele.
3. Valorize. Tudo mesmo. No dia do meu exame de sangue, fui tão bem cuidada pela enfermeira que, pela primeira vez, não desmaiei. Eu disse a ela o quanto ela era especial. Valorize as pequenas gentilezas. Também pedi perdão por ter magoado alguém – mesmo que sem intenção – mas não fui perdoada. Valorize os pedidos de desculpas, eles podem abrir grandes portas e ensinar grandes coisas. By the way, raiva dá gastrite. Valorize também as pessoas. Em um ano de perdas, entendi que – REALMENTE – elas podem não estar mais lá no dia seguinte.
4. Entenda o trabalho do outro antes de criticar ou opinar. E sempre – SEMPRE – perceba que existe um ser humano para além das planilhas e do computador.
5. Faça silêncio. Deite, feche os olhos. Inspire e expire fundo. Imagine a energia passando por todo seu corpo, visualize cada chakra. E vá em frente. Existe uma respiração simples que ajuda a limpar a mente: inspire pelo nariz, sentindo o ar na garganta, como se estivesse roncando. Solte da mesma maneira, também pelo nariz. Inspire em 4 tempos, segure 2 tempos, solte em 6 tempos e segure um tempo. Repita 10 vezes.
6. Permita-se ficar offline. Pelo amor de Deus, tenha horário para responder, atender, enviar. Se for comer, coma. Se for dormir, durma. Se for conversar, converse. Pare de fazer tudo com o celular na mão e perceba melhor o que está fazendo.
O que Nícolas Vargas e a vida ensinaram nos últimos tempos? Que a gente aprendeu a fazer o corre, a sofrer, a cooperar, a pensar, a estudar… Mas ainda não aprendeu a ficar numa boa com a gente mesmo.
Vai, Malandra; Prepara, Maluma, bunda, favela, cirurgia plástica… Uma coisa é fato: Anitta está entre os tópicos mais falados no país em 2017, com certeza! Mas afinal, o que ela representa, o que ela não representa e o que se espera que ela represente?
Larissa de Macedo Machado nasceu em 1993, no Rio de Janeiro, e começou a cantar aos 8 anos, na igreja do bairro Honório Gurgel. Fez técnico em administração e aprendeu direitinho a tarefa. Hoje, apesar da equipe monstra que compõe os bastidores do trabalho, ela gerencia de perto cada coisa e dá uma lição de marketing de cair o queixo. Sabe exatamente quem é o público que quer atingir e faz o que precisa para conseguir.
Foi em 2013 que assinou contrato com a Warner e, em seguida, “Show das Poderosas” virou hit nacional – cantada mentalmente até por quem torcia o nariz, confesse!
Ela queria mais. Queria ser a Rihanna, a Beyoncé ou qualquer outra estrela global. Afinou o nariz, diminuiu os peitos, deu um toque no abdômen. Foi atrás de parcerias estratégicas como Iggy Azalea e Maluma – que acabou decepcionando na hora de mostrar o trabalho ao mundo, mas já tinha histórico de c&zão. Lembro de uma discussão dela com a Pitty no programa Altas Horas e um retrato nato do machismo que circunda homens e mulheres brasileiros. Relembre aí:
O que a galera não percebeu nessa discussão é que a Anitta, apesar da moça inteligente e focada que é, apenas representa com bastante força o pensamento geral: o machismo velado e o sonho americano. Tanto é que a própria Pitty a defendeu:
Afinal, o que a mulher que emplacou duas faixas entre as 50 mais ouvidas no mundo pelo Spotify neste ano representa? O sonho. Ela alcançou – dadas as particularidades daquilo que cada um almeja – o sucesso dentro do que esperava. Ficou famosa com música autoral, faz dinheiro cantando e, independente das opiniões, tomou algum tipo de posicionamento que hoje atinge tanto a massa como divide a galera cult/independente/alternativa. E aí tanto faz o estilo que você mais gosta ou seu entendimento de qualidade musical, mas fato é que ela alcançou o sucesso.
Entenda que sucesso na música não diz respeito apenas ao número de pessoas atingido – isso é fama. Sucesso na música é ganhar dinheiro com ela e estar satisfeito dentro do que se propõe a fazer. No caso, Anitta tem sucesso e fama.
De uma maneira controversa e não convencional, ela também representa a liberdade da mulher – aquela que pode mostrar a bunda, a celulite, pegar quem quiser e dançar até o chão se tiver vontade. E, de fato, está cag@#$do pra quem chega cheio de falso moralismo dizendo que isso não está certo.
Quando ela cria um clipe no morro e mostrando como as pessoas se comportam ali de maneira orgânica, sem forçar a barra, ela gera desconforto. Mas, por quê? O paulistano pode falar da Ipiranga com a São João e a “beleza de suas meninas”. O carioca pode falar do “doce balanço a caminho do mar”. E Anitta pode – e deve – falar das meninas que tomam sol na laje com fita adesiva no corpo. A pergunta é: por que não? Meu bem, isso faz parte do seu mundo, quer você aceite ou não, quer esteja ao alcance dos seus olhos ou não. Vi um clipe das meninas do Fifth Harmony se esfregando nuns caras sem camisa em um local em construção e não teve esse barulho todo.
O que ela não representa? Anitta não compra briga. Nesse ponto, ela é a libriana do mainstream. Ela não bate no peito e diz “sou negra e vou lutar pela causa”. Ela não bate no peito e diz “sou favelada e vou até o fim”. Pelo contrário! A conduta dela desde o começo até agora mostra que a artista foi negando algumas coisas das próprias raízes. Cara, ela é um ser humano que começou cantar MUITO cedo e só queria ser igual às pessoas que via na televisão. Simples assim, sem grandes racionalizações. Ela só foi fazendo.
Claro é que existe uma expectativa de que Anitta, como artista reconhecida em grandes mídias, faça algo que apoie as lutas relacionadas àquilo que ela deveria representar. Ao invés disso, ela simplesmente insere elementos do mundo que conhece em seu trabalho e deixa rolar. Um mundo ideal é aquele onde a gente olhe para a outra pessoa e não tenha como primeiro fator de descrição a cor, a classe ou o gênero. Vocês já viram esse vídeo FANTÁSTICO (e com uma crítica incrível nas entrelinhas) de quando o mundo descobre que a Beyoncé é negra?
Mas não é assim que funciona. O mundo olha sim sua cor, gênero e classe e, quando você escolhe fingir que não é aquilo que nasceu, está maquiando uma situação e criando um problema: a não aceitação começa em você. Sim! Gostaria muito que a Anitta batesse no peito para defender aquilo que ela representa. Mas isso é só o que eu espero dela. Não é porque criei essa expectativa que desmereço o bom trabalho que ela vem fazendo dentro do marketing. Ela precisa, de fato, tomar alguns cuidados como não trabalhar com um diretor acusado de assédio ou usar determinadas lutas somente quando convém. Mas, no final, vejo um saldo positivo daquilo que se propôs ao mundo do entretenimento – entenda, do entretenimento.
O grande lance é: enquanto ficamos olhando o que Anitta está ou não fazendo, deixamos de dar espaço a artistas que têm uma representatividade fudida e não o mesmo espaço dela. Vamos falar mais deles? Bora tocar o som no seu radinho e fazer textão sobre esses caras? Tá na mão a playlist, pra ajudar a introdução! Só clicar aqui.