São 34 semanas carregando a bebê por aqui. Eu sei disso porque tenho um aplicativo. Não sei como minha mãe fazia para ter certeza de qual semana estava – é uma conta bem maluca e ainda não tenho certeza se entendi. Mas vamos lá. Trinta e quatro semanas de transformações tão malucas, que não saberia dizer de onde vêm ou pra onde vão. Mas sei que ela mexe muito agora. Mesmo. Posso ver a barriga se movimentando aleatoriamente, como se houvesse um alien dentro dela. Mas é só minha bebê tentando achar espaço no espacinho miúdo – o que eventualmente significa apoiar um pé numa costela, apertar a bexiga ou escalar o umbigo (fico imaginando que ela faz o tipo de um pole dancing no cordão umbilical).
Neste ponto do processo, já passei por quase quatro meses com a sensação da pior ressaca da minha vida, em paradoxo a descobertas incríveis sobre mim mesma e uma desintoxicação intensiva do corpo – álcool, diminuição de cafeína, comidas que nem sequer eu conseguia por na boca. Tudo isso acrescido da bomba hormonal e um turbilhão de emoções, carinhos e afetos. Em seguida, vieram os meses de Mulher Maravilha. Realizei um monte de viagens com uma dose extra de caminhadas. Eu poderia subir até o topo do mundo com minha mini-pança – e desde que tivesse mexerica, que não consigo parar de comer desde o dia do teste positivo. Trabalhei muito, muito mesmo. Fiz hora extra para receber mais. Peguei mais freela.
Cheguei ao terceiro trimestre pensando: agora eu vou arrebentar! Arrebentei mesmo. As costas doem, toda a região pélvica parece estar estirando. A azia sem escrúpulos faz com que eu sinta uma vontade louca de vomitar quando deito para dormir. “Dormir”. Porque as pernas começam a ficam inquietas pela circulação esquisita, a barriga não encontra posição favorável e o xixi… Ah! O xixi. Ainda não tem bebê para acordar a cada três horas – ou mais, ou menos -, mas tem uma bexiguinha maravilhosa que faz o mesmo papel. Em suma, a noite é desafiadora e, durante o dia, preciso dez vezes mais de força para realizar qualquer atividade. Qualquer uma mesmo. Outro dia, tomei banho e fui vestir minha calça – sentada no sofá, porque é difícil colocar em pé. Demorei uns 10 a 15 minutos para finalizar. A cada movimento, eu me perdia fazendo outra coisa. É sono, fome, vontade de chorar sem razão e um déficit de atenção absurdo.
As marcas da gestação somada à falta de foco já podem ser vistas no corpo: queimadura na mão, um arranhado fundo no joelho que fiz com a própria unha, outro na barriga feito com o preguinho do portão e por aí vai. Vi filmes, li livros, falei com outras mamães. Me senti menos maluca ao saber que tudo isso é normal. Mas não menos aliviada da porcaria da culpa, que acaba acompanhando a gente mesmo não-grávida. Porque tudo isso é transformação e aprendizado, mas existe uma espécie de impotência que acaba validando as sombras que você já carrega enquanto ser humano vivendo em comunidade. Afinal, quem nunca ficou no pêndulo entre a culpa de estar descansando e a ansiedade do que precisa ser realizado? Não pense que fica mais fácil enfrentar isso quando está grávida por já ter outras coisas na cabeça. Afinal, gestando, não dá nem para tomar aquela cervejinha que dá uma relaxada.
Os gatilhos de ansiedade são muitos e o tempo todo. Estar em casa descansando porque, tecnicamente, você está existindo por duas pessoas: tem mais sangue sendo produzido, os sistemas circulatório e respiratório trabalhando mais loucamente, a comida, as sensações, as atividades físicas… Tudo tem um fim chamado bebê. E ela também está trabalhando muito! Ela treina contrações – posso sentir quando isso acontece. Também treina respiração e, não raramente, fica com solucinho. É quando eu procuro dizer pra ela que está tudo bem e vai passar. Se eu fico ansiosa, ela fica extremamente agitada. Quando choro, ela fica quietinha. Quando estou calma, ela se movimenta mais livremente e não sinto tanta dor.
Li que somos uma “díade” mãe-bebê. A verdade é que me sinto assim mesmo. Só penso nela, por ela e para ela. Finjo que não, que tenho outros interesses, porque acho importante não me perder de mim neste processo. Mas o quão difícil pode ser prestar atenção a sua própria divisão de identidade quando é você que está carregando um outro ser vivo por 24 horas dentro do seu corpo, ligado a você por um cordão que te responsabiliza pela alimentação, respiração e estímulos dele?
Mudar esse entendimento de que a gestante é um ser mágico gerador de vida, mas que não é uma obrigação social; entendê-la e cuidá-la pode garantir seres humanos ótimos e qualificados no futuro, que vão contribuir com esta mesma comunidade que, no momento da gestação, não entende o que essa mãe passa, acha que tudo é frescura e não fornece políticas públicas e de trabalho que assegurem melhor qualidade de vida durante a gravidez e os primeiros meses da criança.
No meio disso tudo e de um sistema de capital e governo que não está pronto para olhar para a gestante como um investimento a longo prazo, você sente que não rende o suficiente, que não produz o suficiente, que não está fazendo o suficiente. Que dormir à tarde é fazer corpo mole enquanto a louça está na pia. Que não responder o WhatsApp em tempo real é falta de respeito com as pessoas que se preocupam com você. Que não conseguir dar conta de um trabalho no mesmo tempo que antes é absurdo porque gravidez não é doença. Que não conseguir ir a um passeio é falta de força de vontade. Culpa, culpa, culpa. E, por fim, que sentir tudo isso faz mal para o bebê. Culpa outra vez.
Para entender melhor esses processos de culpa, fiz algumas perguntas ao meu parceiro. Ele é psicólogo e trabalhou um bom tempo acompanhando gestantes em situação de rua, que enfrentam todas essas questões acrescidas da falta de estrutura e grupo de apoio. Veja um compilado do que ele me disse. Ele, vulgo Lucas Adon.
“Todo exercício de autoconhecimento é válido: de fazer um diário a escrever cartas pra si mesmo, passando por meditação guiada e estratégias mais práticas de respiração e exercícios físicos, mesmo pra relaxar depois num bom banho quente. A questão é planejar o tempo, para que produzir possa ter espaço e descansar tendo feito o possível e necessário esteja a contento. Essa é outra possibilidade de trabalhar a aceitação. Porque aceitar que pode fazer o possível é saber seu limite e tranquilizar que faz o que pode é necessário para descansar com qualidade.
A ansiedade, como diz bem Rollo May no seu livro, é um gatilho natural hormonal que nos prepara para um estado de alerta conhecido como Luta ou Fuga, porque ou brigamos ou fugimos em uma emergência. Este estado, quando tem um porquê, nos salva. Mas quando elucubra, confabula e inventa, pode se tornar patológico. Importante diferenciar uma coisa da outra. Prestar atenção à respiração ajuda, porque diminui a pressão sanguínea e pode ser um ótimo mecanismo de tomada de controle e lembrete de foco nas técnicas mentais de defesa, que podem ser direcionadas para cada vez mais aguentarem as tensões (se você não tiver um grande trauma). É como alongar os tendões: pouco a pouco, sua reflexão melhora.
O humano, por ser um indivíduo bio-psico-social, tem peso de ¹/3 para cada uma dessas áreas. As grandes cidades, as rápidas mudanças tecnológicas, as necessidades criadas e conseguintes frustrações causam pressão, como a construção não só da carreira, mas de todo o Plano de Vida, conceito do Carl Rogers em ‘Tornar-se Pessoa’. Para tornarmo-nos mais humanos e mais “completos”. O estado de conectividade causa um frenesi de informação e isso é muito código para decifrar e processar. Viver achando que está perdendo vida social faz de nós, 1/3 sociais, mais ansiosos para estarmos presentes. Dois conceitos entram aí: um do Jacob Moreno, do Psicodrama, que é a autoimagem neste teatro da vida (além da flexibilidade frente aos papéis), e o conceito de Choque Futuro (Future Shock), que projeta a esponja de absorção de informação cheia e as pessoas ‘travadas’ em tilt.
A tecnologia física aumenta e a tecnologia dos relacionamentos deve ser respeitada, assim como a natureza. Os desafios, como toda pilha de pó que se avoluma embaixo do tapete, ou se resolve ou explode. O que vai ser?”.
Nossa! E seu cérebro também está funcionando ainda mais! Quanta informação importante!
Tudo o que está sentindo é muito normal, faz parte da natureza e por isso não se culpe. Todas as gestantes passarão ou já passaram por algo parecido, umas menos, outras mais e depois do nascimento serão outras experiências que te deixará feliz em alguns momentos e em outros, desesperada ou em dúvida também, e para isso, existem os amigos, família e médicos que te ajudarão nesta caminhada. Muita calma nesse momento é curta intensamente!!!! ❤️❤️
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