Uma página em branco bem à nossa frente. Tanta coisa a falar, tanto espaço a preencher e as mãos permanecem imóveis entre a culpa do passado e a ansiedade do futuro. A cabeça simplesmente não consegue repousar no presente, não se sente segura o bastante para estar 100% ali, respirando, enquanto os números da conta no banco oscilam como um barquinho instável em alto mar. Você já pegou um desses? Fica totalmente mareado, com enjoo e tontura. Precisa vomitar.
Estou aqui para vomitar. Para compartilhar todas essas angústias de viver um sonho. Porque sonhar e viver um sonho são coisas diferentes. E é um grande paradoxo essa vivência – entre os louros, vantagens e desafios. Foi em 2012 que tomei essa decisão pela primeira vez. Minha produtora, a Jazz House, tinha um ano de vida e estava voando alto. Consegui um freela fixo que segurava muito bem as pontas enquanto eu caía no mundo produzindo shows e conhecendo gente – eu escrevia uma revista mensal e uma rádio quinzenal para a Odebrecht Agroindustrial (juro, não tenho nada a ver com a lava jato). Cheguei a ir para Angola, entender o sistema de trabalho e a comunidade em Catoca, para escrever o livro de 20 anos do consórcio de diamante. Foram quase três anos vivendo um sonho, mas totalmente atrapalhado.
As fotos mostravam sorrisos no palco do Rock In Rio, plateias lotadas no SESC, matérias nos principais veículos de comunicação do país. Tudo isso com apenas duas mãos. Mas os bastidores derrubavam máscaras, desfilavam noites sem dormir, as horas se perdiam entre as reuniões formais dentro de uma das maiores empresas do Brasil e garrafas de uísque nos camarins. Não havia paz. Eu nem lembro direito o que foi esse sonho. O corpo cansou, a mente travou, o coração se magoou.
Resolvi me render. Não tinha mais ar para dar o último suspiro e lá fui atrás de assinar a carteira de trabalho outra vez. O capitalismo é isso aí. Uma armadilha que, mesmo sabendo que está ali, volta e meia você cai nela de novo. Não por distração, mas por necessidade. A Jazz House chegava ao fim de seu primeiro ciclo e um momento lindo dentro da Weber Shandwick começou. Eu trabalhava para o Napster! Era maravilhoso. Ganhar fixo, ter horário de entrar e sair e criar conteúdo para uma marca que foi importante na minha formação lá nos anos 90, quando eu descobri o MP3 e a MTV (aliás, minha grande escola profissional. Mas isso é um outro capítulo).
Os clientes foram mudando, novas nuances se revelando. A verdade é que nunca consegui ficar longe de verdade da música. No meio dessa “parada” da Jazz House, ainda produzi o DVD d’A Banda Mais Bonita da Cidade, o tributo aos Novos Baianos encabeçado pelo Jardim Elétrico (na época, nas mãos do Di Pietro), entre outras coisas aqui e ali. Mas encontrei pessoas incríveis que olhavam para tudo que já havia acontecido e me mostravam que existia um potencial ali. Carlos Celso, Nerusa Palheta, Angela Miguel e Denise Norões pegaram na minha mão e reviveram a Jazz, agora com Leo Middea lançando disco.
As emoções passaram a ser intensas novamente, mas de maneira positiva. Já mais lúcida e lembrando dos erros do passado, ficou mais fácil traçar a nova rota. Aos poucos e mesmo no meio do furacão chamado crise/impeachment/ Temer, tudo se reergueu. As coisas começaram a acontecer – agora, a oito mãos. Volta o cão arrependido e eis que me encontro aqui, há alguns meses longe do CLT outra vez e nadando contra a maré para fazer dar certo.
Foi também um ano pessoal importante. O fim de um relacionamento marital de cinco anos que me causava coisas que eu nem sabia. O recomeço amoroso. A descoberta de mim mesma enquanto pessoa que sabe o que faz, mulher, profissional. Olhar-se no espelho e reconhecer-se como alguém que pode chegar a algum lugar. Empoderamento. Mas ainda nadando contra a maré.
Acordo todos os dias, entre 6h30 e 7h. Coloco o café da manhã e começo. Sem nem pestanejar. Sigo até o fim do dia, faço planilha, vendo coisas, procuro freelas. A conta fecha hoje, não fecha amanhã. É um mar turbulento de quem largou a pseudosegurança por acreditar no sonho dos outros (não leia isso de maneira pejorativa. Sinto grande honra em poder ajudar as pessoas a alcançarem coisas, um tipo de missão na vida). O que é outro aspecto importante de destaque, já que, nessa área, você lida todo o tempo com as expectativas das outras pessoas, coloca mão-de-obra numa realização que vem de outro coração, mas que abraça como se fosse sua. Faz de tudo para que ela aconteça e, quando não acontece porque assim são as coisas, acaba até virando bode expiatório da frustração. Projeção. O terapeuta fora do consultório.
Vomito essa história. Vomito essas aflições. Porque sinto que, num país onde se congela verba de educação, saúde e cultura; fecha-se exposições porque tem alguém pelado (ainda tentando entender); limita-se direitos do trabalhador, da mulher, do aposentado… E mesmo assim a gente não vê a hora de chegar o Carnaval, eu me pergunto: vale a pena? Quando é que essa conta vai fechar de verdade e em paz? Que o coletivo em prol das boas coisas vença sempre e que a arte continue sendo um catalisador de esperanças.
Em 2018, decisões importantes vão tomar forma e eu vou compartilhando a experiência com vocês – espero que não de maneira unilateral, porque ouvir o que as pessoas pensam é importante para olhar as coisas como um todo. Venham comigo descascar todos esses abacaxis que, aos poucos, vou revelando por aqui. :]
Texto: Carol Tavares
É tanto orgulho que não cabe em mim! Nem sei com agradecer ao cosmo por ter podido compartilhar essa experiência ao teu lado. Te amo infinito!
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Linda!!! Te amo ❣️
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