Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, mas se considerava brasileira de Pernambuco. Com um sotaque que misturava as duas nacionalidades, ela escrevia em um português impecável, cheio de significados e significantes. Não existe um estilo onde ela se encaixa. Ela era seu próprio estilo e se sentia viva quando fazia viver algum personagem. Lembro do susto que foi descobrir o destino de Macabéa, em uma peça de teatro, quando se revelava para mim a genialidade de “A Hora da Estrela”. Eu ainda era nova demais para entender a profundidade daquilo tudo, mas nova o suficiente para receber a mensagem de uma maneira tão pura que nunca mais eu pude “desver” aquela história.
E Macabéa segue ressoando em minha mente, cada vez mais viva, cada vez mais real. Cada vez mais triste e feliz na dicotomia do “ter esperança”.
Alegria foi receber um presente do universo. A possibilidade de contar tantas histórias daquelas inventadas (ou só descritas em codinomes) por Clarice. A Associação Brasil Auê, da qual faço parte com amor e todas as dificuldades do “ter tempo para”, firmou parceria com a Club Editor, aqui de Barcelona, para trabalhar o espetáculo de divulgação dos livros de Clarice pela Catalunha. Logo na estreia, com casa cheia, tivemos a honra de ganhar até elogios no jornal La Vanguardia. Você pode ler clicando aqui.
O segundo espetáculo, mais introspectivo – mais Clarice – e já mais dono de si mesmo, foi tocante. Profundo em suas leituras – traduzidas ou não. Intenso na atuação de Luh Quintans, Jeca Mó e Kaká Degáspari. Doce e amargo nas músicas executadas por César, Pedro, Alan e Henrique. Mais Clarice que nunca na voz de Jeca, que tomou licença para mostrar também sua música autoral, inspirada na autora. “Deus não é pai. Deus sou eu, Deusa ele, Deus é ela”. Lembrando da nossa divindade enquanto humanos, Jeca rasgou seu coração.
E o nosso.
E quando foi o momento de “botar o bloco na rua”, a plateia levantou para fazer isso da maneira que a gente melhor sabe: com alegria, com amor, com resistência. Ser imigrante é resistir a todo tipo de situação – burocracias, (im)possibilidades, aceitação social, preconceitos, etc etc etc. Quando estamos juntos, não precisamos falar sobre isso. A cumplicidade de viver as mesmas coisas nos coloca no mesmo bloco. E a gente bota nosso bloco na rua.
Vai ter mais show. Além de Jeca, terão outras vozes enviando a mensagem. Os repertórios vão mudando de acordo com o evento, para quem quiser repetir o espetáculo não ficar “aburrido”.
Obrigada, Auê. Obrigada Clarice, por conectar e reconectar nossos corações de maneira tão singular, intensa e honesta.
Que venha muito mais.
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